A Crônica #003 – a Copa já começou…

A pouco mais de 200 dias da Copa, testes contra Senegal e Tunísia já tiveram sabor de mundial

Foto: Rafael Ribeiro/CBF

Na dobradinha de amistosos contra as seleções africanas, na Inglaterra e na França respectivamente, a Seleção Brasileira jogou bem contra o bom time de Senegal e mal, muito mal contra a não tão boa Tunísia. Embora pareça bom sinal, racionalmente falando, na verdade é um problema.

No sábado, a equipe senegalesa, que, como disse, é boa tecnicamente, resolveu partir para cima do Brasil, o que deixou o time de Carlo Ancelotti bem à vontade para explorar o espaço, criar volume e resolver o jogo ainda no primeiro tempo. Três dias depois, os tunisianos fizeram exatamente o contrário, o que se estampou no placar e na atuação do time brasileiro.

O problema? Simples: no Mundial 2026, teremos de ligar a britadeira contra o ferrolho de três, quatro, cinco Tunísias antes de o primeiro Senegal aparecer no nosso caminho.

O desafio do time mais forte de furar a retranca do mais fraco é mais velho do que andar para frente, mas é obrigatório para toda equipe que quer se colocar como favorita.

E o leitor que persevera em seguir a Canarinho bem sabe que tal desafio tem sido pra lá de indigesto há sabe lá quantos anos. 10? 15? 20?

Mas, por outro lado…

Bem, uma das francas favoritas da Copa, a Espanha veio passando de trator contra Turquia, Bulgária e Geórgia, mas só carimbou o passaporte para a América do Norte na última rodada das eliminatórias europeias, jogo de volta contra os turcos. E detalhe, após levar um tremendo susto, sofrendo virada e buscando com suor o empate por 2 a 2.

Quer dizer alguma coisa? Que time forte tem que se impor contra os bem mais fracos e também contra aqueles que, mesmo inferiores, conseguem competir, igualando a disputa e até mesmo se sobressaindo em algum momento da partida.

Assim como Senegal chegou a nivelar o páreo com o Brasil por instantes, sem conseguir se aproveitar – o que também é mérito da nossa seleção -, a Turquia teve seu instante de crescida e aprontou contra os espanhóis, justo eles que controlam o jogo por todo o tempo.

Esta nuance de competitividade inegavelmente aflora na Copa do Mundo – ou, aliás, desde meses antes dela começar. Não é questão de nível das seleções africanas, sul-americanas ou europeias, como sugere o treinador italiano Gennaro Gattuso como desculpa para mais uma campanha medíocre de seu país nas eliminatórias. Mas, sim, trata-se desse certo feeling de Mundial que já vem se aproximando. 

Para a Turquia, por exemplo, o embate contra os espanhois já era jogo de Copa. Sabendo que se classificaria para a repescagem independentemente do resultado em La Cartuja, a Lua Crescente buscou um fortalecimento anímico e técnico para a fase posterior e decisiva. Para Senegal e Tunísia, já classificados, nem precisa dizer que, nos jogos contra nós, o Mundial já começou. E, diga-se, isso para nós também vale: quanto antes acabar a tal fase de testes e preparação e começar de vez a Copa, melhor.

Fechando os parênteses, voltemos aos dois jogos. O nome é um só: Estêvão.

Aos 18 anos, o jovem anotou o primeiro gol em Londres (Casemiro – cuja presença na seleção defendo até debaixo d’água! – fechou o placar) e, de pênalti, voltou a marcar em Lille, chegando a 5 gols em 11 aparições pela Seleção. Belos números. Para além deles, chama a atenção a desenvoltura e a liderança que já mostra no campo. 

Sem sentir o peso da camisa, como sempre se diz e às vezes para passar pano para jogador quase trintão que trava vestindo verde-amarelo, e nem precisar de adaptação à Europa. Quem diria, o que vale mais no frigir dos ovos: a atitude!

Esta que, não se esqueçam, vem de seus brilhantes dias com a camisa do Palmeiras, um clube do Brasil.

E quem veste esta camisa atualmente é Vitor Roque, um dos postulantes a vaga no ataque. Atitude, também parece ter aos montes, a julgar pelos minutos contra a Tunísia. Um dos únicos destaques do segundo tempo, sofreu o segundo pênalti brasileiro no jogo, de onde poderia vir o gol da virada, mas Paquetá, que cobrou por ordem de Ancelotti para “tirar a pressão de Estêvão” (oi???), desperdiçou.

Já não são muitos os convocados que atuam no Brasil (seis de 26) e, além do Tigrinho, só três jogaram, os flamenguistas Alex Sandro (Senegal) e Danilo (Tunísia) e o cruzeirense Fabrício Bruno (ambos).

Se Caio Henrique já seria titular contra a Tunísia, por que também entrou na segunda etapa no lugar de Alex Sandro, contra Senegal? Custava dar a chance ao Juba?

Na lateral-direita, a não opção por Paulo Henrique até é compreensível, já que agora a Seleção joga com linha defensiva de 3 e, nesse sistema, Militão é titular. Mas Wesley., assim como Caio, jogou nos dois, e o cruzmaltino em nenhum. E o pior: Danilo, reserva no Flamengo, segue sendo convocado apenas por cacoete.

Dos 180 minutos de Data-FIFA, Paquetá em campo praticamente 40. Fabinho – lembra dele? Aquele que passou pelo Liverpool, sim, ainda existe, joga lá nas arábias; minutos em campo? Uns 20. Andrey Santos, o mais promissor entre todos os meio-campistas da sucessão, sabe quantos minutos? Zero.

Dá para entender?

Fosse um Dorival com essa gestão de minutos, hein? Já sairia quiabo das redações.

Dos ex-botafoguenses multicampeões atualmente na Europa, John não jogou. Teria feito atuação discreta, no que superaria os desastres de Éderson e Bento. Quer apostar, caro leitor? Já Luiz Henrique, este está irreconhecível. O frio russo congelou seus quadris e ele já não dribla um poste. Que fase!

O meio e o ataque, pelo menos parcialmente, vêm sendo o ponto forte do time. Vejam bem, parcialmente. 

O que é positivo: Matheus Cunha como meia-atacante infiltrador parece ser marca de Ancelotti, lembrando o uso de Bellingham pelo italiano no Real Madrid, apesar da diferença entre os perfis. Estêvão, mais maduro, ocupa bem o corredor sem bola e se mostra dono da ponta-direita.

Isso quer dizer que Rodrygo, sem o lado direito, vira jogador sem zona fixa e num modo de aproximação constante. Nessa Data, foi o famoso “falso nove” – o que o leitor deste portal sabe que não existe.

O que é negativo: que Vinícius Júnior tenha pego tão forte um cacoete de extremo-esquerdo básico. Em diversas ocasiões, ao invés de se deslocar para dentro e assomar com os outros três homens do ataque, preferiu levar ao fundo, no pé natural, o que empobrece e muito seu jogo. Se é fruto do Madrid posicional e vertical de Xabi Alonso ou falta de confiança com a Amarelinha, não se pode afirmar, mas, hoje, é uma arma ofensiva a menos.

Vitor Roque? Richarlison? João Pedro? Kaio Jorge, Pedro? Se a Seleção vai ter um nove que puxa marcação, isso pode beneficiar Vini, que desancora. Em contrapartida, para onde irá Rodrygo?

Para o intimorato cronista que vos fala, fã de camisas-nove e defensor da tese de que o Rayo – assim como Raphinha – é jogador de segundo tempo, a resposta é bem clara. Hoje, Roque titular. Coragem, Carletto!

No meio, uma grata surpresa: Bruno Guimarães começa a ser aquilo que se esperava, um todo-campista não só na teoria. E outra grata confirmação: Casemiro ainda é o melhor que nós temos para o setor.

A notícia é boa, já que os concorrentes dos dois, todos eles, exceção a Andrey, deixaram a desejar durante o ciclo. E o próprio jogador do Chelsea, embora ótimo, infelizmente despontou um pouco tarde – vamos lembrar que não estamos mais fazendo testes. 

A qualidade e a presença de Casemiro, todos já conhecemos. A melhora de Bruno, essa sim passa e muito pelo treinador.

Agora, diga-se: não porque há algumas virtudes no chamado time titular o elenco necessariamente é forte. Pelo contrário, dói admitir a falha de nosso futebol, em várias esferas, em produzir 26 atletas que estejam prontos para lutar por um título mundial. As razões são múltiplas, e é papo para outra hora.

A questão é ter pelo menos onze confiáveis. Ou dezesseis, contando os que vêm do banco. Dezessete, se tiver mais um, da prorrogação.

Em 2022, o décimo sétimo foi Pedro, justamente quem falhou ao ceder o contra-ataque letal da Croácia, aos 120’.

Poxa, Murilo, para quê lembrar disso?

Vamos voltar ao que discutimos no início: estar pronto para o bem fraco e também para o mais fraco que agride.

Bélgica e Croácia eram menos fortes que o Brasil, e isso foi motivo suficiente para jogarem como menores, se conservando e só atacando quando veio a brecha. Em dois contra ataques, nos mandaram para casa. 

Se Senegal tivesse feito o mesmo no amistoso de sábado passado, ao invés de ir para a trocação, poderia ter vencido o jogo e, pode ter certeza, os discursos já seriam bem diferentes.

É, amigos. Copa é osso. E já começou!

Para fechar, só mais um pedido: enterrem, por favor, as ilusões com Neymar na Seleção. Até a próxima!

Rolar para cima