Desde que Dorival Júnior foi anunciado como técnico do São Paulo, me pego pensando na possibilidade do encontro entre o clube da fé e o Flamengo, em uma potencial final de Copa do Brasil. A demissão de Dorival foi uma das maiores injustiças da história do clube carioca e, agora, o treinador tem a chance de provar o erro para o ex-time.
Para Dorival e São Paulo, o valor do título é bastante tangível: um clube gigantesco que não conquista um caneco nacional há quinze anos e que jamais se sagrou campeão da Copa, treinado pelo profissional que apesar de empilhar bons trabalhos, ainda é subestimado — mesmo sendo, simplesmente, o responsável pela melhor campanha da história da Libertadores.
Já para o Flamengo e para seu treinador, Jorge Sampaoli, a possibilidade de levantar o troféu é mais uma questão de sobrevivência. O Flamengo, atual campeão, há muito se distanciou da briga pelo título do Brasileirão e há pouco saiu humilhado da Libertadores, onde foi eliminado por um dos piores times do Olimpia que se tem notícia e de maneira vexatória, sem oferecer resistência. É, para Sampaoli, a chance de mostrar seu valor e manter o emprego no lugar que, segundo o próprio, sempre sonhou em estar.
Portanto, a final já nasce com muitas histórias a serem contadas, mas é interessante como ela ainda tem potencial para ser o encontro de dois dos melhores ambientes do futebol brasileiro. Como frequentador assíduo de estádios, digo com propriedade: poucas coisas são mais empolgantes do que uma quarta-feira à noite no Morumbi em dia de Libertadores ou um Maracanã no domingo à tarde em dia de Brasileirão. No caso, o encontro em uma final vem justamente na terceira competição mais importante, mas que pelos fatos já listados, ganha um peso muito maior para ambos os clubes.
Apesar de ser torcedor do Flamengo, vejo a final como uma disputa entre justiça e tragédia. O possível título do São Paulo não só ressuscitaria um gigante hoje relegado ao papel de coadjuvante, como provaria para a diretoria do rival carioca o erro cometido em novembro de 2022. A justiça em sua forma mais pura, com o humilhado sendo, enfim, reconhecido. Do lado rubro-negro, a possibilidade da tragédia se desenha em caso de título: o técnico injustiçado, execrado há menos de um ano, sucumbindo diante de um Sampaoli que faz trabalho oposto em todos os sentidos possíveis, fazendo com que surjam até delírios como “o time está entregando para derrubar o técnico”.
De quebra, a vitória do Flamengo fortaleceria a intenção da diretoria rubro-negra de manter Sampaoli para 2024, o que prolongaria o sofrimento do torcedor e o processo de destruição de um dos elencos mais recheados de talento neste século, já que a constante é: dispensamos os habilidosos, contratamos os fortes. Se Dorival fez Lucas Moura se emocionar ao reencontrar a felicidade, é difícil encontrar algum jogador do Flamengo que pareça feliz em campo em 2023. Por mais que me doa dizer isso, acredito que com uma vitória do Flamengo, a injustiça prevaleceria, e o renascimento do São Paulo seria adiado. Uma tragédia grega de primeira.
Dentro das quatro linhas, claro, ambos os times mostraram suas qualidades e defeitos, e uma vitória do Flamengo pode vir a se provar muito justa. Levando em conta a trajetória dos times até aqui ao longo da temporada, porém, o prognóstico não é muito positivo. É também difícil imaginar um técnico tão metódico e irredutível quanto o argentino abrindo mão de suas convicções para fazer o óbvio: montar o time de acordo com suas características. Você não ensina um peixe a subir em árvores assim como você não ensina o Arrascaeta a se tornar um jogador de amplitude.
Se muitos acreditam que a final da Libertadores de 2021 foi uma disputa pela alma do futebol brasileiro — e sob esse escopo, é inevitável pensar que a demissão de Dorival e as contratações de Vitor Pereira e Jorge Sampaoli são desdobramentos naturais do resultado dessa disputa — a taça da Copa do Brasil é uma disputa pela narrativa do debate nacional sobre nosso esporte. Independente de quem levar o caneco, uma coisa é certa: o encontro entre o São Paulo das quartas e o Flamengo dos domingos é um dos mais empolgantes dos últimos anos. Resultado à parte, torçamos para que boas histórias sejam contadas.