É, amigos, aconteceu: o Bayer Leverkusen perdeu um jogo. Depois de mais de 50 de invencibilidade, dificultando possivelmente até a própria torcida de lembrar qual havia sido a última derrota, o atual campeão invicto da Alemanha perdeu um jogo. O problema é que perdeu o único, de todos os que disputou até aqui na atual temporada, que não podia perder: um jogo único de final de Copa. E não simplesmente perdeu – foi goleado. Goleado por 3 gols de um mesmo jogador, o nigeriano Ademola Lookman, primeiro jogador africano a anotar um hat-trick em uma final de torneio europeu de clubes. E não foram quaisquer 3 gols. O segundo especialmente. Corte e chapada muito fina – coisa de jogador não barato.
E a verdade, a respeito desse jogo, queiramos ou não, é uma só: ninguém estava sequer lembrando da Atalanta. Estávamos todos (eu também) pensando apenas em como essa final seria uma oportunidade para enfim ver um jogo do imparável Bayer de Xabi, depois de termos todos percebido que não vimos nenhum ou quase nenhum jogo dele. No meu caso seria o segundo: cheguei a ver a partida do returno da Bundesliga entre ele e o outro Bayer(n), o de Munique – na qual o Leverkusen atropelou e reatropelou o time comandado por Thomas Tuchel. Fato é: ninguém estava pensando na Atalanta. Nem pensando nem torcendo. Pelo menos até o jogo começar. No meu caso, a virada de chave se deu por duas razões: uma estética e outra humana.
A de natureza estética: a beleza da camisa da Atalanta. Diga-se o que se disser, mas que camisa imponente, meus amigos. Em que pese aquele “Paramount” enorme, ofuscando um pouco o seu poder de afirmação, que camisa bela. O corte da gola, as cores, o escudo: coisa linda. Só conseguia pensar em como ela seria a camisa perfeita sem aquela propaganda desnecessária de um streaming de entretenimento. (O poder econômico, ao invés de favorecer, como já o fez, atrapalhando a arte – nada de muito novo, na verdade). Enfim: muito bela camisa.
A segunda razão, de ordem humana: o fato revelado no início do jogo de que aquela seria a oportunidade de um primeiro título na carreira do treinador da Atalanta, um senhor de 66 anos sem mais nem um fio de cabelo preto. Gian Piero Gasperini. Sim, amigos: por mais mágico que talvez fosse para a história do jogo uma possível tríplice coroa invicta do primeiro time de série A comandado pelo jogador exuberante que foi Xabi Alonso, ia ser muito difícil eu torcer contra aquele velhinho. Além do que, na foto, ao final, seria muito mais bonito o azul e preto da camisa mais bela do confronto (recuperando um pouco a memória das históricas camisas da Inter, que um dia já teve a camisa mais bela da Itália e uma das mais belas da história do futebol) do que aquele arremedo de camisa que era a que o Leverkusen usou no jogo. Afinal, sejamos francos: a estética, no futebol – tanto quanto a eficiência, o mérito esportivo, blá blá blá, senão até mais do que eles –, importa enormemente.
E foi isso: deu Atalanta. Venceu a camisa mais bonita e venceu a experiência contra a juventude. Venceram os cabelos brancos. Um trabalho que já vinha de 8 anos mas ainda sem ter conquistado nada. Trabalho que, como falaram e refalaram os comentaristas na transmissão do jogo, não deixando ninguém esquecer disso, colocou o clube em outro patamar, tendo passado a galgar posições mais relevantes na liga nacional e a disputar as competições europeias.
Quem jamais se esquecerá da Atalanta quase semifinalista da Champions de 2020/21, com aqueles gols que viraram o jogo pro PSG nos últimos 3 minutos da partida? Pois é: eles não avançaram lá, mas venceram hoje. E por mais que futebol seja uma questão estética e uma questão humana – uma questão mágica e mística, também, por que não? – ele é também, como qualquer esporte, uma questão de mérito. E eles mereceram. Venceu, querendo ou não, o trabalho mais longo e mais duradouro. Numa lembrança de que a longevidade e a experiência, ainda que o talento se sobressaia e os facilite, também vencem.
Certamente Xabi Alonso é um treinador com muito mais talento e potencial do que o quase septuagenário Gasperini, assim como a Atalanta, pelo menos nominalmente, não parece ser um time superior ao Leverkusen. Essa derrota parece ter tido muito mais a ver com um esgotamento, afinal não é tarefa simples manter 50 jogos de invencibilidade, do que qualquer outra coisa. Então não chega a ser uma questão, o acontecimento de agora há pouco, de que o trabalho tenha vencido a precocidade do talento – seria injusto e anacrônico dizer algo parecido –, mas não deixa de ser bonito ver um time que trabalhou por tanto tempo ter o seu esforço coroado com um primeiro troféu: o primeiro troféu de Gasperini, o primeiro troféu do grupo e o primeiro título europeu da história do clube – derrubando a invencibilidade daquele que vinha sendo a sensação do futebol na atual temporada europeia e garantindo a camisa mais bela na fotografia. Não foi pouca coisa.
Há quem talvez não tenha visto tanta beleza assim no acontecimento de agora a tarde. Pois bem: houve muita. Agora deixa eu me concentrar em Fluminense e Sampaio Corrêa pelo fechamento da terceira fase da Copa do Brasil.
Belo texto e concordo com a primazia estética que a camisa da Atalanta carrega, que pedaço de uniforme! Só vou discordar de uma pequena parte do texto, a de que a vitória da Atalanta se deu por pegar um Leverkusen cansado, o que obviamente é verdade, todos os times estão cansados, todos nós estamos cansados, mas a derrota do Leverkusen é resultado de uma coisa: Atalanta Bergamasca Calcio!
E que vitória poética, porque a Atalanta fez o que ninguém fez na temporada, em 50 jogos, levou o clube alemão ao chão, sujou o uniforme de cada um dos jogadores e de seu técnico. Tirou do Leverkusen a possibilidade de pensar a próxima jogada, sempre esganando e contando com o talento de Lookman que escreve seu nome nos anais do esporte.
Que noite viveu esse time, que noite viveu o velho mestre Gasperini e que noite viveu a pequena cidade de Bérgamo!
Que maneiro que curtiu o texto, mano! Valeu pelo comentário. E de fato, o que não faltou foi garra e faca nos dentes à Atalanta. A intenção no trecho não foi diminuir o mérito deles, mas pensar do ponto de vista de quem perdeu — que o esgotamento da temporada inteira sem perder um jogo sequer talvez tenha sido, ao lado de outros, entre eles a ótima e sufocante atuação da Atalanta, um fator determinante pra derrota. Os últimos jogos do Leverkusen tinham sido um pouco assim, inclusive, sem a dominância do restante da temporada: empatando no sufoco dos últimos minutos e nas últimas bolas. Mas enfim, valeu mesmo pela observação e pelo comentário na crônica. De fato foi um título muito poético e muito bonito. Grande abraço, irmão!
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