O Brasil deveria ser vermelho

Vermelho Sangue

Não falo de estética da camisa. Nem poderia. Não entendo lhufas da arte da apreciação visual. A própria CBF já voltou atrás e não há motivo pra discutir o uniforme da seleção. Mas aproveito para deixar o recado: o Brasil deveria ser vermelho.

Naturalmente, não há aqui também nenhuma conotação política. Pode haver, claro, princípios mais gerais que estão no fundamento delas – como você poderá perceber – mas não é essa a questão.

A questão é o Vermelho ele mesmo. A vermelhidade.

Vermelho: latim vulgar vermicŭlus, diminutivo de vermis, verme, referindo-se ao inseto do qual se extraía o corante vermelho. Na mentalidade hebraica, vermelho é אָדֹם (’ādom), que se relaciona com אֱדוֹם (Edom), que era Esaú, aquele que vendeu a primogenitura por um prato de ensopado vermelho (nazîd ’ādōm). Mais que isso, está bem perto de אָדָם (’ādām)homem / Adão, relacionado à palavra ’ădāmâh (אֲדָמָה), que significa terra, solo, especialmente o solo avermelhado.

Assim, vermelho é a terra, o homem, a matéria, o barro, a vida concreta, a morte também, o verme. Vermelho é trocar uma promessa futura por um prato de sopa agora. Vermelho é comida, é fome, é vida das coisas terrenas, urgentes e necessárias.

E o Brasil precisa deixar de lado o azul do mundo das ideias (platonismo é todo azul) para entregar-se ao vermelho do barro da vida. Quem sabe rolar na lama, igual bicho, bestializar-se, bater, morder, machucar, rosnar, latir, gritar (o vermelho é uma espécie de grito). Interromper o sono, aborrecer a vida etérea: é preciso carne e osso e sangue.

Sangue que é morte, sangue que é vida. É precisamente o que eu quero dizer com tudo isso: a seleção vermelha é a que abraça a morte, que admite que morreu. É o grito de dor, de desespero. É ser animal, gostar da feiúra, do nojento e do grotesco da mesma forma que se gosta do bonito. Vestir o vermelho é não ter mais nada a perder, porque tudo já se perdeu. É não dever nada a ninguém, porque já se pagou com a própria vida. É perder o medo do Não, porque o Não já foi dito. É identificar-se com o mais baixo, com o mais vil, porque a partir dali tudo é subida. Paradoxalmente, isso é que é viver de verdade.

Dentro do campo, esse país sentirá o menor sinal vital apenas quando alguém fizer um gol com raiva. Ou de raiva, melhor dizendo. Futebol de vísceras e tripas. Não uma vitória. Uma carnificina. Futebol vermelho. Mas e a nossa cultura? o jogo bonito, os dribles, os ronaldinhos, as dancinhas? Que se lasquem as dancinhas, principalmente as dancinhas, a próxima vez que eu vir uma dancinha de um jogador brasileiro eu vou quebrar a TV.

Antes a raiva. Vinícius Júnior jogando com ódio de espanhol. Jogar com cinco atacantes, Endrick em estado puro de bestialidade. Nenhum sorriso, nenhuma alegria, todos fracassados, derrotados, “meu carnaval sem nenhuma alegria”. Neymar morto de vez, sem nenhum sonho, jogador acabado.

Só quando a seleção começar a jogar sempre e a cada minuto com uma atitude suicida, como feia e como morta, não tendo nenhuma cultura para defender, nenhuma história para honrar, possuindo nenhuma dignidade e riqueza,  quando tudo o que tiver a frente dela for o jogo real e concreto e ela se doar a esse jogo completamente, só então ela receberá a vida que lhe é própria, e será muito mais Seleção Brasileira do que jamais foi.

Vermelho, sangue, vida, morte. Dizei, atacantes: “eu faço gol como quem morre”!

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