O reinício do Napoli de Antonio Conte

Análise tática das partidas contra Sassuolo e Fiorentina, pelas primeira e terceira rodadas da Série A 2025/2026.

Jogadores erguendo Antonio Conte após a conquista do Scudetto 2024/2025
Jogadores erguendo Antonio Conte após a conquista do Scudetto 2024/2025

Estamos falando do segundo período mais vitorioso da história do Napoli. E se no final dos anos 80 era Maradona a figura central, agora, nos anos 2020, não podemos citar apenas Kvaratskhelia e Oshimen, os caras do primeiro scudetto sob o comando de Spaletti. Para a temporada 24/25, o clube foi à Inglaterra resgatar McTominay e Lukaku, líderes do segundo título nacional em 3 anos. O polêmico presidente Di Laurentis decidiu mudar o perfil de mercado para não deixar a peteca cair e, atendendo aos pedidos de seu allenatore (tão irreverente quanto ele), parece ter dobrado a aposta.

Antonio Conte recebeu o famoso pacotão de reforços, caso contrário não ficaria em Nápoles. Além do genial Kevin De Bruyne, as peças parecem terem sido escolhidas a dedo. A chegada de não só um, mas dois centroavantes (Lucca e Hojlund) possibilitará uma dupla de ataque como variação, marca das campeãs Inter e Juventus do treinador — e que praticamente já faz com McTominay. Pela beirada, o já não tão jovem Lang é uma boa aposta pra repor Kvara em função. Na defesa, Milinkovic-Savic (irmão daquele) eleva o nível debaixo das traves, Gutierrez é um lateral acostumado a jogar por dentro e Beukema cai como uma luva taticamente. É pro sorriso ir de uma ponta à outra da peruca.

Pacotão de reforços do Napoli após o título
Pacotão de reforços do Napoli após o título

Passaram-se 3 rodadas do campeonato italiano e já é possível analisar as pretensões de Conte. Antes de mergulhar na tática, é bom pontuar que a inconsistência ainda parece ser uma assombração. Aos desavisados, o Napoli passou perto de entregar a liderança à Inter após uma sequência de empates na reta final do torneio. Porém, assim como na temporada passada, a squadra passa pela turbulência e vence no final. A estréia foi repleta de erros técnicos, mas com vitória garantida pelo faro de decisão dos que vieram de Manchester. Contra o Cagliari, tentaram 42 cruzamentos até um milagre de Zambo-Anguissa aos 95 minutos. No último sábado, o início irretocável terminou em 13 finalizações da Viola apenas no segundo tempo.

O que aparenta um problema, porém, indica uma virtude: esse Napoli tem caráter e capacidade de reação. Nos grandes confrontos, apesar de maior letalidade, será impossível evitar turbulências. A ilusão do controle total desprepara os jogadores para o caos. Ao mesmo tempo que é uma questão a ser resolvida, a oscilação napolitana indica que há ali algum tipo de estrela, de anjo da guarda (Diego?).

Oscilação em 24/25
Oscilação em 24/25
42 cruzamentos contra o Cagliari
42 cruzamentos contra o Cagliari
Finalizações sofridas na segunda parte em Firenze (Créditos dos prints: SofaScore)
Finalizações sofridas na segunda parte em Firenze (Créditos dos prints: SofaScore)

É hora do campo, enfim. O que Conte vem fazendo no Napoli é pouco reproduzido no mundo e, como aqui no Ponto Futuro estamos acostumados a categorizar os times, posso adiantar que considero uma equipe híbrida. Isto pela forma como os jogadores se movimentam não só no último terço, aglomerando no setor da bola — quando na direita, inclusive abdicando de amplitude total —, mas na livre interpretação com que os meio-campistas encurtam distâncias e transitam em todas as direções, renunciando espaços chave. Ao mesmo tempo, são evidentes as dinâmicas de mobilização e troca oriundas do jogo de posição.

Não, ninguém faz samba só porque prefere. Ainda que surpreenda a liberdade que Conte conceda aos seus jogadores, ela é produto de uma força maior que o guia. Na Itália preponderam os sistemas de marcação individual, o que resultou no crescimento do calcio relazionale como forma de confundir os defensores e criar espaço para infiltrações. O multicampeão treinador se desapegou do controle, mas jamais do pragmatismo.

Parêntesis: o campeonato italiano costuma ser bem rigoroso com direitos autorais. Sendo assim, temo que derrubem os vídeos e já disponibilizo aqui o link para um drive sem riscos: https://drive.google.com/drive/folders/1Szv1kZsTS8FxRqdDLEvwIk-GdKloNiRp?usp=drive_link

1. Aspectos Defensivos

O Napoli segue na risca o que o campeonato italiano tem de melhor: sistemas de marcação individual. Nos últimos anos, vimos equipes marcantes como a Atalanta de Gianpiero Gasperini e o Torino de Ivan Juric ajudarem na popularização do “cata-ratão”, e até Conte, referência por muito tempo em defesas por zona, não fugiu dessa influência.

Em pressão, destaque para Lobotka, primeiro volante, perseguindo o regista adversário (como fez com Fagioli), e a distância longa que De Bruyne conserva ao zagueiro direito adversário (Comuzzo, no caso da Viola). Assim, o Napoli mantém o meio congestionado e induz a saída adversária pelas laterais. Isso se reflete na mais usual trajetória dos centroavantes ao pressionar o goleiro, que, no segundo lance, é realizada por Politano, já que Ranieri (zagueiro pela esquerda) se manteve excepcionalmente baixo na saída — referências individuais!

É necessário citar Lobotka mais uma vez e como o esloveno se destaca em situações interpretativas. Temporiza saltos e faz leituras de linha de passe precisas para abandonar a referência e proteger o bloco. Ao mesmo tempo, Zambo-Anguissa é quem puxa os gatilhos quando abandona o encaixe por dentro e sai para pressionar o zagueiro adversário. Nesse momento, Di Lorenzo, geralmente sobra e assume tanto um encaixe por dentro (Sohm contra a Viola, Laurienté contra o Sassuolo) como por fora, a depender do posicionamento de Politano.

Com o número de trocas já citadas, pode-se perceber que há, sim, influência zonal no sistema defensivo de Conte. Algo que aparece mais em bloco médio, o próximo vídeo.

Pressão

Assim como falei em hibridismo quando descrevi a parte ofensiva, já se admite a existência dos “encaixes por setor” há muito tempo. Não digo que seja o caso do Napoli, que, para mim, tem claras prioridades individuais. Mas admitir que as coisas estão dentro de um espectro e que raramente serão 100% X ou Y é um exercício interessante.

Contra a Fiorentina, partiam de um 4-1-4-1, com De Bruyne estreitando a linha. Por outro lado, o esquema base contra o Sassuolo era um 4-4-2/5-3-2 (Politano baixando como ala), com Zambo e Lobotka saltando no duplo pivot que por vezes se formava, enquanto Juan Jesus perseguia o meia Koné (3-2-2-3/3-3-1-3). Por mais que as zonas influenciem nas trocas, como ilustra a posse em que Zambo encaixa em Gosens e De Bruyne em Dzeko, a referência individual é a mais importante. Não à toa, McTominay persegue mais de uma vez as rupturas de Mandragora até a linha defensiva, além das evidentes subidas de Lobotka. A postura é sempre ativa em relação ao opositor, e não apenas responsiva a movimentos que invadem o setor.

Bloco Médio

2. Aspectos Ofensivos

Chegamos à parte ofensiva; a mais interessante. A começar pelo começo, a saída de bola. O esquema base do Napoli é um 4-2-2-2 assimétrico, tendo Politano como ponta direita e amplitude vazia no lado esquerdo, a ser possívelmente ocupada por Spinazzola/Oliveira ao decorrer a posse. Visando atrair para acelerar, marca do jogo de Conte há anos, a equipe explora apoios curtos de Lobotka e De Bruyne (mudando de posicionamento) na base do quadrado em dinâmicas de terceiro-homem.

Nesse sentido, duas marcas autorais do Napoli são os passes diagonais fora-dentro e as “raspadas” com fixação de dois adversários. Falando da primeira, perceba os lances em que Spinazzola e Di Lorenzo recebem em apoio. O pé trocado do camisa 37 facilita que essa conexão aconteça de forma direta, mas, na maioria dos casos, ela explora o salto ímpar (salto que “foge” de sua referência natural; extremo saltando sobre um zagueiro, por exemplo, quando a referência esperada é um salto sobre o lateral) e conecta o zagueiro, abrindo janela de passe às costas dos volantes atraídos.

Quanto as raspadas, perceba os lances em que McTominay e Hojlund se alinham verticalmente em disputa para recepção de passes tensionados. Assim, desorganizam a linha adversária em alturas diferentes e exploraram a capacidade física para fixar e gerar expaço de infiltração.

No último lance, algumas caracaterísticas de organização no campo adversário aparecem. A mais importante é a formação do losango no meio-campo, forma com que se configura na maior parte do tempo, e as projeções de Di Lorenzo com Beukema abrindo no corredor lateral. Na ocasião em específico, Politano vai ao meio-espaço e o lateral se mantém no corredor, o que, contraintuitivamente, é o menos comum. Além dessa troca, vemos Juan Jesus e De Bruyne invertendo posicionamento e, em seguida, o camisa 21 fixando o zagueiro com o apoio de McTominay.

Saída de bola

Partindo do losango já mencionado, De Bruyne é um terceiro-homem (falso-ponta) pela esquerda, o responsável pela ligação. Anguissa é o típico segundo homem de movimentos verticais, apoiando, sim, na base, porém mais influente em infiltrações. Nas duas pontas, McTominay é quase um segundo atacante, fixando zagueiros e fazendo movimentos de ruptura. Enquanto isso, Lobotka faz o que um dia fez Brozovic, afundando entre os zagueiros e permitindo que Di Lorenzo se projete por dentro.

Movimentos do meio-campo x Fiorentina

O lateral direito é um capítulo à parte, atuando praticamente como um coringa em organização ofensiva. Di Lorenzo tem como função ler os espaços disponíveis, sobrecarregar o corredor central e gerar dúvida nos marcadores, gerando lances como o calcanhar para Hojlund. Além de, claro, permitir que Politano venha atuar por dentro, o capitão napolitano também pode compor o próprio losango. No terceiro lance contra o Sassulo, o camisa 22 vem à ponta baixa do losango e libera De Bruyne ao meio-espaço direito. O italiano e o belga tem bastante liberdade interpretativa, o que flexibiliza a troca de posições.

Em contrapartida, o posicionamento de Spinazzola, por mais que também pise por dentro, é diferente. Esses momentos são de diagonal defensiva. Com a bola na esquerda, a ideia é explorar o 1×1 do lateral e sua capacidade de conectar o corredor central com passes.

Movimentos do meio-campo x Sassuolo
Mapa de passes x Fiorentina (Créditos: McLachBot)
Mapa de passes x Fiorentina (Créditos: McLachBot)
Mapa de passes x Sassuolo (Créditos: McLachBot)
Mapa de passes x Sassuolo (Créditos: McLachBot)

E assim entramos no terço-final. Além da já apresentada diagonal defensiva, o 1×1 dos “alas de pé trocado” é a chave para conservar o jogo interior. No primeiro lance, repare como os jogadores do Napoli fixam os defensores na zona da bola e abrem espaço para os apios diagonais de Anguissa e Di Lorenzo. Na jogada seguinte, Di Lorenzo arrasta o marcador e permite que Politano conduza em diagonal, tabelando com De Bruyne e finalizando pro gol. Fechando com chave de ouro, Spinazzola trocou com De Bruyne e encontrou uma assistência espetacular para Hojlund.

Retomando o assunto lá de cima, um dos motivos que mais me fazem acreditar no hibridismo é como atacam no terço final. A ideia geral é aproximar os meio-campistas na zona da bola, preservando distâncias curtas e tabelas, enquanto McTominay ataca a área junto ao centroavante. Nas três jogadas finais do vídeo, a noção de diagonal e os movimentos apoiados ficam muito claros.

Último terço

Por fim, destaco De Bruyne em cenários de transição. O posicionamento invertido com McTominay não serve apenas para preservar o belga, há um objetivo ofensivo por trás. Nesse cenário, De Gea foi obrigado a operar um milagre: o camisa 11 sai do lado esquerdo para intervalo, atacando esse espaço ou, preferencialmente, recebendo em aceleração para pifar o centro-avante. Foi podendo conduzir e atropelar os adversários com precisão e velocidade que o belga brilhou ao longo da carreira. Mais um ponto para Antonio Conte.

Transição – Kevin De Bruyne

Se há uma equipe que merece olhares no futebol europeu, essa equipe é o Napoli. Em temporada de consolidação, podemos presenciar uma campanha histórica dos sul-italianos a nível nacional e internacional. Enfrentarão uma tabela acessível na Champions League e uma Internazionale em clara decadência na disputa pelo scudetto. Sabemos que Conte tem problemas com continuidade e, sobretudo, com torneios europeus. Fica a pergunta: o italiano conseguirá eliminar seus maiores fantasmas?

Lukaku, Lobotka e Di Lorenzo na linda Napoli.
Lukaku, Lobotka e Di Lorenzo na linda Napoli.
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