Depois dos anos dourados, a seleção espanhola se tornou a definição de “não empolga”. A não ser por algum momento de Pedri em 2021, sempre foi aquela coisa insossa, que não inspirava amor ou paixão nenhuma. A vitória (o amasso) contra a Itália ontem, há de se admitir, foi a mais empolgadora nos últimos anos para os espanhóis. Com Yamal e Nico, o time ganha um adicional de profundidade e drible que nunca teve. Agora, a Inglaterra…
Espanha x Itália
Com De la Fuente, a Espanha mantém seu 4-3-3-mais-que-clássico: Rodri, Fabián e Pedri se dividindo em três alturas, Morata 9, Yamal e Nico partindo abertos… mas algumas dinâmicas são novas e, principalmente, o ritmo mudou — Yamal e Nico te impõem algo novo. Vou ao jogo para exemplificar.
A Espanha inquestionavelmente se impôs. Ritmo extremamente alto de circulação — já diferente da antiga Espanha — para encontrar Yamal e Nico abertos, ocupação racional dos espaços mas com sobrecargas do lado esquerdo para aproveitar espaços do 4-1-4-1 italiano e isolar Yamal no lado oposto junto à uma pressão pós-perda + pressão HxH nas saídas italianas ganhando todos os duelos. Eram superiores em tudo.
A primeira vantagem da Espanha com bola aparecia ainda na primeira fase de construção. Já que a Itália subia para pressionar em 4-1-4-1 com encaixes individuais, com Barella (interior esquerdo) saltando em Le Normand, Jorginho tinha que deixar Pedri livre para encaixar com Rodri. Aí que estava o X da questão: como a Espanha preferia sair com Laporte pela esquerda, com Fabián baixando por ali (Frattesi o acompanhava) e Yamal e Nico apresentando perigo o suficiente para manter os laterais fixados, o meio ficava desprotegido e Pedri completamente livre na direita. Calafiori, então, era forçado a deixar a linha. Resultado? 3×3 na última linha e um Nico recebia sempre com espaço para o 1×1 contra Di Lorenzo; os mais bem-humorados diriam que o jogador basco fez um filho no italiano tamanha foi a imposição do ponta-esquerda.
Quando entrava em organização ofensiva a Espanha também tinha superioridades claras. O bloco italiano era obrigado a baixar contra uma Espanha de tanto desequilíbrio por fora e que circulava tão rápido; os comandados de De la Fuente, então, sobrecarregavam o lado esquerdo para atacar. Partiam da rotação posicional clássica dos triângulos laterais de um 4-3-3: Fabián baixava lateralizado, Cucurella subia e Nico ia pra dentro. O diferencial era que somavam-se ao circuito depois Pedri, Rodri e até Morata. Jorginho e Barella ficavam perdidos com Pedri deixando sua posição inicial pela direita — o camisa 20, craque de bola que é, fez a festa. No lado oposto, Yamal era como se fosse um força gravitacional.
4-3-3 inicial da Espanha: laterais mais amplos do que eram com Luís Enrique, Fabián em segunda altura (baixava muito) e Pedri entrelinhas, livre pois Di Marco estava fixado por Yamal.
Espanha depois de rodar o triângulo e preencher o lado da bola
O resumo da história é que a Espanha massacrou, com dinâmicas coletivas muito bem ajustadas. Mas, muito importante que percebam em toda minha argumentação como Yamal e Nico são sempre condicionantes que impedem que a defesa italiana se sinta confortável. Dão espaço para que Pedri jogue, forçam a linha da Itália a abaixar… talvez seja isso que falta na Inglaterra, que três horas antes enfrentava a Dinamarca em Frankfurt.
A Inglaterra…
Peças para condicionar um jogo não faltam para os habitantes da ilha. Não sejam bobos: o time é bom demais e tem um dos maiores condicionantes do mundo, que não se chama Saka, nem Bellingham e nem Foden. Se chama Harry Kane. Ainda assim, Southgate não sabe usar.
Mais ou menos assim atacam os ingleses
É que ninguém no mundo gera tantos espaços para um ponta/segundo atacante rompedor como Harry Kane. 1,88, melhor jogo de costas do mundo, desce até o meio campo para jogar e lança perfeitamente mesmo sem ângulo. Apenas rompa. Ou você estará afundando a linha e dando espaço para que o camisa nove receba livre, ou entrará livre nas costas de uma linha completamente fixada pelo movimento de apoio dele. Por que será que a dupla Kane (melhor nove de apoio do mundo) e Son (um dos melhores rompedores do mundo) deu tão certo? Kane tinha quem complementasse seus movimentos.
Na seleção, no entanto, não é assim. O time não é montado para o melhor jogador — sim, Harry Kane ainda é o melhor inglês. Percebam como todos no campinho invariavelmente querem bola no pé. Jude joga buscando no pé e Saka quer apenas receber aberto ou entrelinhas assim como Foden… Não há um rompedor que complemente Kane, nem um driblador como Nico ou Yamal que fixe a última linha lá em baixo. O efeito é cascata: não só Kane — que não vê nenhum espaço para receber já que a linha adversária se sente confortável para estar alta e compacta — é subutilizado, como todos os outros jogadores de ataque, que também jogam melhor com alguém que afunde a linha por eles, são.
Não há, então, nenhum condicionante, nada que incomode a última linha adversária, nenhuma superioridade clara e ninguém que fixe algum adversário pelo irrevogável medo do drible. O time é chato, prevísivel e improdutivo, como foi contra Sérvia e Dinamarca. A linha dinamarquesa ficava alta, confortável para pressionar. Atacavam tranquilos também, já que nas transições defensivas podiam pressionar Kane recebendo de costas sem se preocupar com alguma ruptura (lembrem, agora, como era terrível transitar para a defesa contra aquele Tottenham. Achavam Kane de costas que, em um toque, botava Son na cara do gol). Amassaram a Inglaterra e mereceram a vitória que não veio.
Soluções? Havia Rashford, que mesmo em temporada ruim, te dá ruptura como nenhum outro inglês — na seleção sempre funcionou bem com Harry. Sequer convocado. Watkins? Bowen? Não sei. Bellingham menos 10 e mais rompedor? Southgate precisa achar algo se não quiser morrer cedo na competição. O futebol é simples, e por sua natureza não existe sem ataque ao espaço e sem incômodo à linha defensiva adversária. Nico e Yamal na Espanha, mesmo sem serem exatamente rompedores, apresentam o drible como maior condicionante e incômodo possível. Não há dupla de tanto drible na Inglaterra; há muita qualidade, entretanto, apesar do treinador fazer parecer um time de dignos brucutus.