“E em um belo dia, a Deusa dos Ventos beija o pé do homem, o maltratado, desprezado pé, e desse beijo nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola.”
Eduardo Galeano em “Futebol ao Sol e à Sombra”
Conforme o futebol avança, para muitos, a ideia do ídolo está muito atrelada ao acúmulo de conquistas, assim como a ideia de sucesso no futebol, de ter uma grande carreira. “Se Reus saísse do Dortmund, seria muito maior”. Alguns vão além e condenam a escolha de ter passado tanto tempo no Borussia Dortmund. Sempre que o clube perde, dizem coisas como “não tenho pena do Reus, ele quem escolheu essa situação”. Em um mar de análises puramente numéricas e uma ênfase constante na desvalorização do que não dá resultado, uma relação como a de Reus e Dortmund não será compreendida por alguns.
Outros corretamente elogiam a fidelidade de Reus ao abrir mão de mais dinheiro e mais sucesso para ficar no local onde quer estar e é amado. E essa é a grande questão que me chama a atenção: em um mundo e em um futebol onde você é estimulado desde cedo a conquistar mais e mais, quase como uma obrigação, Marco se deu ao direito de escolher, pelo menos um pouco, o que ele genuinamente quis fazer. Reus viu a maioria dos seus colegas de equipe saírem para lugares que lhe ofereciam mais, sobretudo do ponto de vista de status, sucesso e dinheiro. Mas de alguma forma, isso nunca lhe chamou mais atenção do que entrar no Signal Iduna Park lotado para ver a muralha amarela cantando seu nome.
Reus escolheu ser ídolo, figura que sim, pode estar atrelada a conquista. Afinal, como o Flamenguista vai se esquecer do que o Gabigol fez naquela noite em Lima? Ou o do Real Madrid das dinastias comandadas por Di Stefano e Cristiano? O ponto é que a forma de nos representar, de nos defender, não está somente associada a isso. Se o trabalho sobrepõe valores sensoriais na maioria dos casos, aqui temos um indivíduo que genuinamente escolheu ter pelo menos um pouco de autonomia sobre o próprio destino e a própria carreira profissional. E que com isso, foi recompensado com uma conexão inquebrável entre ele e seu povo.
Reus teve tudo que um homem pode querer. Ganhou para fazer o que ama, no lugar que ama, e com as pessoas que ama. É um nível de privilégio que a maioria dos 7 bilhões de seres humanos no globo só pode sonhar. Talvez sua magia e seu talento fossem dar mais resultado em outro clube, ou talvez o entusiasmo e a felicidade que o possibilitam jogar estejam nos muros amarelos de Dortmund. O ídolo nasce a partir da conexão. Ele pode ser um Herói de títulos, mas essencialmente ele deve ser um provocador de sentimentos. São 12 anos, e “só” 4 títulos, nenhum de grande expressão, mas o torcedor dá valor a cada drible, cada gol, cada passe, cada comemoração, cada sorriso sincero para a arquibancada. Tudo isso, com a intensidade e a conexão que proporcionaram, vai morar para sempre em um lugar mais interessante que uma sala de troféus: a Memória.
Obrigado, Reus.