Vagamente refletindo sobre Vasilis Hatzipanagis e alguns outros atores do futebol da década de 80, começo a questionar. Por onde andam aqueles jogadores tão selvagens?
Pensem comigo: Renato Gaúcho, Hagi, Borghi, Littbarski… algo muito peculiar ronda o significado desses jogadores. Tudo que tocavam ou faziam, parecia romper do nada, sublevando a terra e tornando-se vivo sem esforço. Algo selvagem. Um algo que remete aos gênios de Maradona e Garrincha.
O que há em comum em todos esses contribuintes do jogo, é a evidência da “flor”. Tudo aquilo que acaba de nascer – ou seja, é ainda prematuro – nos transparece algo delicado, frágil, prestes a se manifestar. No entanto, como antítese quase natural, é verossimilhante que exatamente aquele algo tão delicado, é cheio de vida, logo, forte. Um broto é assim, e esses jogadores, são como brotos, prestes a irromper e se tornar flor em segundos – uma metamorfose particular e original. Assim como na luta pela vida, a novidade é o que suporta a agressividade do meio, e por isso, é algo bruto e transgressor, como a flor da pele, o arrepio e a carne viva. Quando algo nasce, o mundo se eriça. Sente de forma terna, o toque jovem e irreverente; no campo é assim. A jovialidade e potência desses jogadores tão “novos”, é o que determina novas ordens a cada pequeno ciclo natural.
Se eles dependeram um dia, de uma lei que lhes possibilitasse irradiar e imprimir suas forças do completo nada. Pode-se concluir os porquês pelo qual o seu desaparecimento corresponde a variadas intervenções no modo de jogo. O elemento “liberdade” persiste como aquele capaz de assegurar esses “gânglios” no “sistema nervoso” do futebol.
Pedri, antes, uma faculdade mental
Entendamos Pedri como uma “faculdade mental”. A coisa em si para Pedri existe a partir da forma como o mesmo a enxerga. Se existe algo interior no menino das canárias, é que seu juízo funciona como o de seus antepassados. Vejamos, existe algo ainda mais interessante nessa relação entre Pedri e seus antecedentes: o ambiente. O ambiente é um forte elemento formador do homem, ele define características que vão desde as morfológicas até (assim vejo) a principal delas, a cosmovisão. Todos os jogadores citados, digamos, compartilham um universo fictício semelhante. São culturas que se cruzam. A forma como sentem o mundo e o absorvem possui igual frequência. Brasil, Argentina, Tártaros, Danúbio. As conformidades geológicas são como se fossem as mesmas, ou como diz Euclides, pelos menos “ilude” com que seja. Remete por igual as paisagens. E estamos falando de um garoto que se cria no berço do mediterrâneo. É mágico e inovador, selvagem.
Sua estreia, cataclisma
Lembro-me muito bem da primeira vez que tomei conta da sua existência. Era um Barcelona x Juventus. Messi e um menino (um menino!) anônimo somavam uma incalculável fortuna de passes. A Messi, ouço-o e vejo-o todo dia. Mas aquele garoto tinha algo especial, latente em sua natureza, que não via, como disse, desde o antigo futebol da charmosa década de 80. Pensei, só faltou que a grama fosse alta. Deslizava em campo. Essa é a palavra, “deslize”. Parecia um salto, era como galgar na terra. Mas o algo latente que disse, só me tornou conceito depois do frisson da novidade de vê-lo.
-“sim, ele é disruptivo”
Pedri era aquilo: disruptivo como algo vivo
Pedri deixou de ser vivo (o futebol é pessoal)?
Todo cataclisma que por um bom tempo envolveu a figura de Pedri, de uma hora para outra se reprimiu. Veio os milhares de pensamentos distorcidos. “Ele não faz gols” “Ele deve passar mais” “Deve segurar menos”.
O que remonta uma dúvida incessante: onde fica o jogador?
Que pode ser respondida ancorada no processo original de mecanização do futebol – parte do processo original de industrialização e/ou homogeneização da vida.
A impessoalidade, que Heidegger cita ao construir suas críticas a modernidade, passa exatamente por esse individuo comum que, escravo dos processos (técnica e instrumentalização) da globalização, se vê como uma silhueta no mundo, sem qualquer “existência”. Em sua argumentação, Heidegger se preocupa com a perda de identidade do homem, que furtada pela vida “especializada”, passa sua vida sem sequer questionar (romper, criar) uma inquietação autêntica que fuja da banalidade.
Da mesma forma, o futebol como fato de toda essa produção, se encontra na mesma questão moral. No “futebol moderno”, nivelado pela demanda, valendo a eficiência, ante o ser – a atitude individual. Se o futebol não tem presença – que exatamente para Heidegger, se trata da essência da existência, o “ser ai” – podemos dizer, não tem jogador, mas um individuo-comum, neutro, logicamente, pronto para a alienação filosófica (da máquina).
Esse processo, que demarca uma das grandes viradas de chave na forma de conceber o jogo, é visível em Pedri. Que passa de um garoto rebelde a isso que querem que ele seja.
As manchetes, são as seguintes: “comissão técnica do Barcelona cobra Pedri para fazer mais gols”. Era para ser escárnio, mas é a verdade de um futebol cada vez mais desencorajado e distante.
Por exemplo. Se tomarmos o Barcelona do Xavi. Temos um jogo de posição com um 433 rígido invariável onde o jogador deve se enquadrar aos padrões do modelo. Xavi, com seu pragmatismo e compreensão tosca da vida, enxerga os atributos de Pedri aquém da pessoa Pedri e força-o a cumprir o papel de ponta. Estamos falando de tolir. E além disso, de um problema sério da própria existência.