Ponta ao pé natural. Por que não?

Raphinha e Luiz Araújo apontando pra esquerda.

Algum tempo atrás, depois da decepção da Copa do Mundo 2022, falei num grupo que gostaria de ver Raphinha jogando pela esquerda e que desconfiava dessa interpretação do jogador como um ponta que recebe bola no pé para tentar 1×1. Quando isso passou a acontecer, logo no início, começaram a me marcar: “Raphinha foi bem pela esquerda”. Nesse caso, não exatamente na extremidade, mas no meio espaço, enquanto o corredor esquerdo era do lateral. Com a ascensão de Yamal, não teve jeito, Raphinha teve que desistir da ponta direita e buscar espaço em outra posição. 

Acontece que ele foi bem nisso. Tem ido muito bem até agora. Veja os melhores momentos do jogo Barcelona 7 x 0 Real Valladolid e tente perceber a questão. Em dois dos gols dele, por exemplo, ele sai em ruptura; no primeiro, a vantagem física se sobressai. Outro jogador que também se destacou foi Luíz Araújo no Flamengo, quando teve que substituir Cebolinha na ponta esquerda; que mesmo estranhando a muitos no início, não demorou para provar ser uma ótima opção por ali. 

Por causa disso é que vou tentar dar alguns motivos para não desistirmos do ponta ao pé natural e pensar em qual contexto ele pode funcionar, quais são as vantagens e que tipo de jogador pode se adequar melhor.

Em primeiro lugar, quando pensamos em Raphinha e Luiz Araújo, estamos falando de jogadores não tão criativos. Luíz Araújo mesmo era muito criticado pela torcida por não ser tão preciso na tomada de decisão. Tinha técnica para o chute, para o passe, cruzamento, mas as jogadas terminavam mal. Acontece que, ao pé natural, esses jogadores estão limitados a um conjunto de decisão muito mais restrito. Se por um lado isso parece ruim, por outro o jogador erra menos. Estão mais protegidos do que limitados. Porque são jogadores que se espera mais pelo acerto no gesto técnico do que inventividade e criatividade é que a limitação funciona bem. Jogadores assim mas com muitas possibilidades podem se queimar por escolherem as piores.

O segundo ponto tem a ver com a capacidade física desses dois jogadores, e tanto Raphinha quanto Luís Araújo são não apenas rápidos, mas têm explosão e mantêm o corpo ajustado, não não facilmente desestabilizados. Isso dá aos dois uma grande capacidade de ruptura. Se dominarem o tempo, podem oferecer muitas vantagens atacando a última linha, na profundidade. Geralmente dizemos que numa organização 325 o ponta de pé trocado é pensado para cortar para dentro e chutar ou para fixar o lateral na extremidade enquanto o interior ataca a profundidade no meio-espaço para cruzar para trás. Porém, no caso de um ponta ao pé natural, ele é quem ataca a última linha. Mas não só isso: eles podem muito mais do que correr pra linha de fundo e cruzar para trás.

Além de força, explosão e velocidade, os dois jogadores batem muito bem na bola. Assim, depois que saem em ruptura, têm o chute forte e cruzado. O cruzamento também é uma boa possibilidade, seja com a bola no pé seja recebendo no espaço vazio. Enfim: são jogadores rápidos, explosivos e que chutam muito bem. Uma vez saindo em vantagem num movimento de ruptura, é perigo. A isso se soma a diminuição de erros cometidos, já que têm menos opções de jogo do que tinham quando com pé trocado, e, principalmente, porque eles simplesmente não são jogadores de receber bola no pé e tentar o drible ou armar o jogo. Eles realmente são potencializados ao pé natural. Tornam-se a sua melhor versão jogando assim.

Uma outra forma de pensar a questão é o que o Fred Perez uma vez comentou numa live: há pontas-armadores e há pontas-atacantes. Os armadores naturalmente ficarão muito mais confortáveis com o pé trocado. É o caso de Yamal e Estevão, dois dos mais criativos do mundo, que recebem bola no pé, driblam, armam o jogo, escolhem sempre a jogada correta. Mas no caso dos atacantes, eles vão preferir sair em ruptura, dominar a bola e enfiar o pé num chute cruzado. 

Claro que cada caso é um caso, e há de se analisar o contexto da partida, as decisões específicas para determinado jogo, quem é o seu adversário, etc. Di Maria, por exemplo, jogou uma final de Copa do Mundo aberto na esquerda; e há pontas-atacantes que jogam melhor com pé trocado, claro. O que foi dito aqui é um pensamento generalizado, resumido, que não pode ser e nem pretende ser uma lei. Mas não deixa de ser pertinente. O que o campo tem mostrado nos últimos meses é justamente a adequação desses jogadores nos termos que estamos propondo aqui. 

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