Romênia e a Fórmula da Surpresa

Às mentes acostumadas à regularidade e a constância do futebol de clubes, o futebol de seleções pode, realmente, ser entediante, como sempre se escuta nas paradas de data FIFA. O que essas mentes perdem, no entanto, é o incrível prazer de apreciar as histórias apenas possíveis no futebol de seleções, como a da Islândia em 2016, a de Marrocos em 2022, a da Grécia em 2004… e agora, possivelmente, a da Romênia em 2024 — a fórmula para a surpresa, pelo menos, eles tem.

Pode ter sido apenas um jogo iluminado, uma manhã de encantamento, mas a surpreendente vitória por 3×0 contra a muito mais badalada seleção ucraniana nos deixa algumas pistas do que essa Romênia pode ser.

Afinal esperava-se muito mais dos ucranianos. A geração é boa: Lunin, Zinchenko, Sudakov, Tsygankov, Mudryk, Dovbyk… no jogo, como esperado, começaram com maior domínio territorial. A partir de seu 3-2-5, com Zinchenko (LE) na saída a 3, Konoplia (LD) aberto na direita, Mudryk (PE) na esquerda e Sudakov (ME) e Tsygankov (MD) nos meio-espaços, a Ucrânia apostava nas rotações posicionais dentro de sua lógica de espaços racionalmente ocupados para encontrar espaços nas costas dos interiores do 4-1-4-1 romeno. Faziam tudo direitinho: os meias apoiavam para deixar os volantes de frente para o jogo em dinâmicas de 3o homem, se movimentavam lateralmente para se enquadrar entrelinhas e trocavam com quem estava em amplitude. Conseguiam, até com alguma facilidade, encontrar passes entrelinhas, mas esbarravam primeiramente na falta de ruptura interior — Dovbyk sempre esperava no pé para fazer o pivô e Mudryk e Konoplia esperavam cravados na amplitude — e, principalmente, na hierarquia defensiva da dupla Burcă e Drăgușin (este último, para mim, o melhor zagueiro da primeira rodada). Técnica defensiva, principalmente de Drăgușin perfeita. Defesa de área, saltos, coberturas… Limpou tudo que pudesse ameaçar o gol de Niță.

A Romênia não se limitou aos bons zagueiros, entretanto. Apesar de, claro, não serem o time de maior imposição a partir da posse, jogando a partir de bolas longas para vencer segunda bola e apostando em sua defesa em 4-1-4-1 (a depender da altura dos pontas, 5-4-1 ou 6-3-1), com a proteção de área de dupla de zaga, a seleção apresentou coisas boas com a bola. Em um lance em que subiram pressão, dos pés de Stanciu — capitão, meia emocionante, de excelente pé (quase fez um golaço olímpico), inventivo e líder absoluto da seleção, apesar de nunca ter feito carreira pela elite europeia — saiu o primeiro gol da Romênia. Golaço-aço.

Foram se tranquilizando no jogo, dando menos espaços entrelinhas — se a ideia era não desestruturar muito a última linha para defender bem a área, os da linha média passaram a controlar mais os saltos e fechar melhor os espaços intermédios, forçando a Ucrânia para a amplitude, onde eram ainda menos perigosos contra a defesa de Drăgușin — e tendo mais momentos de posse. Atacavam rápiodo, em uma espécie de 4-3-3, mas pouco fixo; Stanciu partia de interior esquerdo, mas era completamente livre para buscar onde quisesse e ditar o ritmo do jogo, assim como era completamente livre para pisar na área. Tinham o lado direito como lado forte, com Man saindo de fora ao centro e Ratiu (LD) ganhando altura pelo corredor. No lado oposto, Coman fechava por dentro e Bancu fazia a diagonal defensiva. Mesmo assim, não faziam muita questão de entrar em organização ofensiva. No começo da segunda etapa, gol de Marin, em um excelente contra-ataque com assistência do excelente Man, extremo canhoto que sai de fora pra dentro, e por fim, novamente em assistência de Man, gol do bom centroavante Drăguš. 3×0 e placar liquidado.

É apenas o primeiro jogo, mas com dois zagueiros limpadores de área — Drăgușin e Burcă –, jogadores de bom pé como Man e Stanciu e principalmente um elenco com paixão e vontade estonteante, daquelas que só se vê quando se joga representando uma nação, embalado por sua torcida — o quão bonita foi a comemoração ao fim do jogo? –, a Romênia tem a fórmula que remete às grandes surpresas da história do futebol de seleções. Acompanharei carinhosamente os próximos capítulos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima