Desde a demissão de Dorival Júnior, inúmeras narrativas foram criadas de que o técnico havia “atingido o teto” e o Flamengo precisava de mais. O mais? Vitor Pereira e, depois, Jorge Sampaoli. Passados dez meses, o Flamengo foi humilhantemente eliminado da Libertadores, humilhantemente derrotado na final do Carioca, repetidas vezes humilhado no Brasileirão e, mais recentemente, derrotado pelo São Paulo de Dorival Júnior na final da Copa do Brasil, em pleno Maracanã, dando apenas um chute no gol.
Se você acreditou na narrativa mentirosa vendida, tenho duas coisas para te dizer: meus pêsames e bem-vindo à realidade.
O Flamengo recente se tornou uma máquina de desmascarar técnicos. Longe de mim cair na dicotomia de que o jogo funcional é bom e o posicional ruim. A questão na verdade é mais simples que isso: se você tem um elenco com característica X, a proposta do treinador deve estar alinhada com essas características.
Se você tem um time com um volante de chegada, com bom passe e habilidade, limitá-lo à ponta esquerda para cruzar ou tocar para trás não funciona. Se você tem um segundo atacante nato, capaz de tabelar, fazer um facão de primeira, explorar os espaços, mas sem velocidade nem drible, colocá-lo como ponta fixo não vai funcionar. E por aí vai.
Se Dorival Júnior armou um Flamengo praticamente imbatível por construir um time capaz de potencializar todas as características de seus craques e ocultar suas limitações (como Thiago Maia, que auxiliava na marcação, cobria espaços e subidas, mas não fazia a saída de bola nem a construção), Vitor e Sampaoli chegaram com suas fórmulas de bolo prontas e tentaram encaixar os craques nelas sem analisar o básico sobre suas características.
A derrota no jogo de ida e a provável perda da Copa do Brasil não são só merecidas para o Flamengo, como são mais uma lição de o que funciona com esse elenco e o que não funciona. O Flamengo, como clube, tem duas opções: continuar apostando em treinadores de fórmulas prontas, o que exigirá uma reformulação total do elenco, incluindo a dispensa de ídolos como Gabigol, Pedro, Arrascaeta e Everton Ribeiro, ou entender que tipo de projeto futebolístico funciona com esse elenco. O mais fácil, obviamente, é escolher um bom técnico.
E por quê isso não acontece? Porque escolhemos, como torcedores e apaixonados por futebol, acreditar em uma miragem. Os problemas que Sampaoli apresenta no Flamengo estavam evidentes em todos os trabalhos recentes do treinador de pouquíssimos títulos. Mas ainda restava a aura de modernidade, a suposta “assinatura” de um trabalho autoral. Mas de autoral não há nada. Há simplesmente a repetição de uma fórmula ruim, batida e defasada.
Eu proponho, antes de encerrar o texto, um exercício: busque os lances dos gols de jogos em que o Flamengo venceu em 2019 e 2022 e compare com o que o Flamengo faz hoje. Verá que não falta vontade, mas sobra pressa, força, aceleração. O que falta? Qualidade, pausa, raciocínio, aproximação, tabela. Faça um segundo exercício, analise mesmo os lances do Flamengo em jogos vitoriosos e supostamente positivos de 2023 e verá como eles destoam de tudo que o time faz durante 90% do tempo. Os gols são, majoritariamente, individualidades, sorte ou alguma jogada que destoa de absolutamente tudo que é proposto pelo técnico.
Resta ao torcedor aceitar a realidade, porque ela tem se mostrado, como sempre, implacável. O Flamengo desafia seu próprio DNA, desrespeita as características de seu elenco e ídolos, e fracassa constantemente. O fracasso é a única constante e é também o único destino possível de um time que não joga fazendo o que faz de melhor. Há ainda quem culpe os atletas, mas desses, só consigo sentir pena. São eles que correm feito loucos o jogo todo, repetindo o que aprendem do técnico.
O fracasso do Flamengo em 2023 é não só merecido, mas uma aula para todo o futebol brasileiro. Uma surra de realidade. Um espancamento de fatos. Muitos supostos analistas táticos defenderam por muito tempo o projeto Sampaoli, mas o campo é implacável. Você pode negar a realidade o quanto quiser, em algum momento, ela será jogada na sua cara. Que isso se concretize em uma final na qual o clube só consegue dar uma finalização no gol, com chute fraco de seu lateral esquerdo, chega a ser poético.
Pingback: Não morremos, mas estamos quase - Ponto Futuro