Teoria do Modelo de Jogo

O modelo de jogo de um time depende essencialmente de dois elementos: dos jogadores e do treinador. Eles fazem parte do mesmo jogo, têm o mesmo objetivo, mas não podem se confundir. Um é o treinador, que formata a equipe; outro são os jogadores, que sugerem diferentes formatações. O modelo nasce da relação desses dois elementos. São duas as abordagens para com o jogo.

A primeira abordagem parte de um sistema completo, abstrato, com lógica e coerência internas. Não depende dos fatos sensíveis nem de qualquer dado da realidade como jogador, espaço, clima e cultura, mas tem em si mesma sua funcionalidade e por si mesma se explica. Dizemos que o jogo que dela procede é de cima para baixo.  Cabe ao treinador, nesse caso, aplicar a forma mais ou menos fixa à circunstância. Tal abordagem pode cair no erro de ficar confortável com juízos analíticos a respeito do jogo e pretender um conhecimento a priori. Tem no treinador seu centro de referência.

A segunda abordagem faz o movimento contrário: parte da situação concreta, dos dados, para então montar o sistema. É de baixo para cima. São os jogadores o centro de referência no qual se encontrará o modelo. O treinador não impõe o modelo feito, completo, mas descobre um novo. Aqui, mais importa descobrir e inventar do que saber. Assim, a partir do que a realidade oferece, dos jogadores que se tem, do espaço em que se está é que nasce o modelo. Nesse caso, cai-se às vezes no erro de rejeitar toda e qualquer ordem pré-concebida.

O treinador, como aquele que sabe a ideia, não pode deixar de levá-la sempre consigo, estando ele na primeira ou na segunda abordagem. Assim, mesmo que se queira assumir a segunda posição, de criar a partir dos jogadores o seu jogo, não poderá deixar de ser o agente do mundo abstrato. Por onde passar, o treinador moldará, com suas ideias, o que lhe vier ao encontro. Ele dá forma ao caos da equipe sem forma.

Os jogadores, por outro lado, serão sempre moldados. Cabe a eles adquirirem forma, que sempre lhes vem de fora. Se é do treinador a função de ordenar através da ideia, aos jogadores sempre convém sugerir. Por serem quem são, sinalizam as possibilidades de forma, que serão ou não percebidas. Tais possibilidades sugeridas não dependem do treinador para existirem, tem existência própria e estão lá, mesmo que veladas, por causa dos jogadores. À primeira vista, os jogadores são passivos, enquanto o treinador é ativo.

Podemos dizer que o treinador tem primazia na primeira abordagem, enquanto os jogadores na segunda. Naturalmente, não existe uma forma pura dessas duas abordagens no mundo real. São modelos hipotéticos, e os times tenderão para uma abordagem mais do que outra somente parcialmente. Nós aqui entendemos ser mais natural e mais proveitoso para o objetivo do jogo a segunda abordagem.

Antes de prosseguir, é mister esclarecer: embora possa parecer que a relação proposta tem a mesma natureza da relação sujeito-objeto tão famosa nas Teorias do Conhecimento, o caso aqui é diferente porque tanto o que formata a equipe, o treinador, quanto os que sugerem todas as possibilidades de formatação, os jogadores, são sujeitos, e a relação entre os dois se dá não como o que apreende e o que é apreendido, mas como diálogo em que ocorre uma influência recíproca de um para o outro.

A pergunta é se pode surgir dessa relação treinador-jogadores um modelo de jogo ideal. Antes, porém, precisamos entender como que o modelo surge.

 Ele surge, como antecipado acima, do encontro entre treinador e jogadores. Mas o treinador que vai ao encontro dos jogadores não é um sujeito neutro, pelo contrário, é um sujeito histórico, limitado pelo seu tempo, que leva sua cultura, sua linguagem, e não pode se ver livre de preconceitos; só pode pensar em modelos de jogo que conhecera em seu horizonte de vida. Da mesma forma os jogadores. Foram formatados de várias maneiras e por vários treinadores ao longo da vida, foram ensinados que se deve jogar assim ou assado, que isso é melhor que aquilo e tudo mais.

Para que desse encontro surja uma coisa nova, é preciso abertura. O treinador, com seu preconceito deverá se abrir para as sugestões de jogo que os jogadores sinalizam. Cada contato e cada experiência com os jogadores deverá moldar uma vez mais seu modelo mental, sua ideia de jogo. Da mesma forma, os jogadores se abrirão para as sugestões e deixarão ser moldados pela ideia que o treinador teve. Por causa da abertura, o mundo do treinador entrará no mundo dos jogadores, que deixará ser influenciado; e o treinador verá invadir em suas concepções a realidade que dos jogadores lhe está à frente.

A abertura e movimento mútuo de um em direção ao outro resultará por fim numa fusão de horizontes de vida. Dessa fusão nasce a o modelo de jogo e a tática. O modelo é o resultado da fusão entre o que treinador pretende e o que a equipe sugere. São os dois sujeitos históricos, que levam preconceitos, experiências de vida, e o diálogo entre os dois fará surgir o modelo. O treinador não será o mesmo depois do contato com a equipe, tampouco a equipe continuará jogando da mesma maneira. O modelo surge nos dois sujeitos como coisa nova.

O surgimento do modelo, porém, não é dado ou alcançado de forma imediata. O modelo não existe como uma entidade fixa abstrata. Assim, a pergunta da possibilidade de um modelo ideal se mantém, e a resposta é positiva para sua existência, mas negativa para a realização dela. A abertura e a fusão de horizontes se manifestam como diálogo, e esse diálogo levará a equipe cada vez mais para esse modelo ideal. O ideal contudo nunca será alcançado. O diálogo constitui um círculo hermenêutico, uma influência mútua, que caminha para a perfeição; um caminho infinito e inatingível, ainda que real.

Mas seriam apenas esses dois os elementos do modelo? Não, pois há um terceiro. No jogo estão dois times, um contra o outro, buscando a vitória. Joga-se contra alguém, contra um adversário. O modelo, portanto, supõe sempre o terceiro, o alheio, o dado menos controlável e mais imprevisível de todos, a ameaça, aquilo que nos obriga a agir não conforme nossas próprias aspirações, mas segundo a necessidade. Enquanto o treinador representa o máximo da utopia, ou o que deveria ser, o adversário representa a concretude e a necessidade, aquilo pois que é. O próprio time está entre um e outro.

Assim, o círculo hermenêutico treinador-jogadores recebe uma terceira influência, o adversário, e da tríplice relação surgirá o modelo. Os três não se confundem; os três alimentam um ao outro, e a verdade, o modelo ideal, está no centro da espiral – infinita e real, inatingível, porém ali, como um espaço da reta real, como um limite, como a definição de um número real por intervalos encaixantes; como o diálogo infinito de onde surge o significado da filosofia de Gadamer; como a verdade que surge na dialética platônica em Fedro.

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