Antes de tudo, esse texto não é um pedido pela demissão do Tite. Tenho minha opinião pessoal, e sugiro que cada um forme a sua própria baseado não no texto e tampouco em tweets de influenciadores, mas na materialidade dos fatos. Reveja os jogos, busque os lances no YouTube, no WyScout ou onde quer que seja, analise as entrevistas e forme sua opinião.
Estamos em maio, Tite está no comando do Flamengo há sete meses e, até aqui, o trabalho não é bom. E o problema é que ele se desenrola exatamente a partir do que Tite propõe como jogo. O técnico arma o Flamengo para pressionar no campo de ataque, ter a bola e criar oportunidades de gol com triangulações laterais e cruzamentos. “Ora, mas se isso funciona no Palmeiras do Abel, por quê não funciona com o nosso time?”.
A resposta é tão óbvia que me sinto estúpido meramente por precisar explicar, mas ao que parece (pesquise Abel + Tite + Flamengo no Twitter), muita gente não entende, acha que é questão de “‘falta de tempo de trabalho” ou “falta de vontade dos jogadores”. Bem, você não diria para o Vinícius Júnior ficar preso na ponta esquerda esperando que ele flutue ou drible para dentro e faça gols pela faixa central, certo? Então por quê criticamos o Gerson por “estar com sono” quando ele está em um sistema que, por ordem do técnico, deixa todos os jogadores limitados aos seus setores esperando a bola? Por quê estranhamos que Gerson não faz mais as arrancadas com dribles de 2019, se o comandante da equipe impede que isso aconteça diariamente, nos treinos?
Se o Palmeiras possui, além de uma cultura que permite o modelo de jogo, jogadores muito mais físicos do que técnicos (e até mesmo os que são os jogadores mais técnicos possuem muita fisicalidade, como Endrick, Veiga e Gomez), por quê queremos copiá-los se nossos jogadores são conhecidos justamente por não terem as mesmas características fisiológicas? Gabigol e Arrascaeta se tornaram Hulk e Júlio Baptista em que momento?
A questão de Flamengo e Tite é muito simples: Tite tem uma única proposta de jogo (o 4-3-3 que ataca como 2-3-5 e acumula jogadores ao redor da área enquanto tenta achar espaço para cruzamentos para o Pedro), e o Flamengo não possui características para tal. Os melhores jogadores do elenco do Flamengo todos sabem quem são. Arrascaeta, Gabigol, Gerson, Bruno Henrique, Pedro, De La Cruz. Por que esperamos que o time construa jogadas pelo meio se o único atleta que o sistema de Tite permite ocupar tal espaço é Pedro, com os demais sendo relegados ao canto do campo? O máximo que vemos é um ou outro jogador espetado na meia-lua aguardando a bola, tão cercado por adversários quanto impossibilitado pelo sistema de se movimentar.
Os melhores gols que vimos nosso time marcar em 2019, 20, 21 e 22 foram justamente os que o time construiu de trás, sem correria, apenas por bom trato com a bola. Gols contra Palmeiras, Al Hilal, River Plate, Fortaleza, Grêmio… Nenhum desses gols teve nenhuma das características pelas quais Tite (e antes Sampaoli e Vítor Pereira) prezavam: força e cruzamento.
Digo isso porque muita gente ainda cria expectativas de que Tite “mude”, mas não há absolutamente nenhum fato concreto que indique uma possível mudança. E não é como se ele não pudesse fazer isso, já que já fez no passado. Mas é importante lembrar que desde 2018, a Seleção Brasileira mudou sua forma de jogar, e durante todos os últimos 6 anos, os times de Tite jogaram da mesma maneira, com pouquíssimas mudanças aqui e ali (a liberdade de movimentação para Neymar).
Então, o rubro-negro precisa se decidir. Vai assinar o contrato para continuarmos jogando esse exato futebol durante toda a temporada, ou vai pedir por uma troca? O que Tite tem a oferecer nós já vimos: uma defesa consistente na maioria dos jogos (mesmo que falhe e falhe feio em jogos importantes, como o 0x3 contra o Atlético em 2023, a derrota para Bolívar em 2024, a vitória inexplicável contra o Atlético Goianiense na estreia deste Brasileirão) e muita entrega física (de um time que, vale lembrar, não tem em seus melhores jogadores o físico como principal atributo).
E caso o Flamengo julgue necessário trocar o comando, quem assumiria? Bem, os técnicos que, por proposta, procuram um futebol de toque de bola e refino técnico são os falados diariamente nas redes. Se não Jorge Jesus, que o clube vá atrás de Ricardo Gareca, Manuel Pellegrini, Martín Demichelis… Obviamente, há muitos outros e que também estão empregados, mas mais difíceis de se acessar: Fernando Diniz, o próprio Dorival Júnior… Enfim. Caso o Flamengo opte pela troca, o problema deve ser resolvido por quem o criou. Você não espera que um cavalo pilote uma Mercedes, assim como não deve esperar que Tite varie a tática e faça o Flamengo tocar a bola com cadência e sem a pressa de um adolescente prestes a perder o cabaço.