A imortalidade é uma das mais antigas discussões da humanidade. No dia da publicação desse texto, estamos no período Pascoal. os Cristãos comemoram a a ressurreição de Cristo, com o triunfo sobre a morte após 3 dias. De maneira geral, as religiões estão intimamente ligadas ao tema. Inclusive com várias delas crendo no pós vida: um lugar que nos aguarda após nossos dias no plano terreno acabarem. Mas dentre todas as idéias de imortalidade que o homem pensou ao longo de sua história, a que mais me parece plausível é a de se eternizar através da obra realizada em vida. Essa é uma idéia amplamente explorada ao longo da história, na filosofia, na arte, na mídia, em diversas frentes diferentes da sociedade. O objetivo de entrar pra história, portanto simbolicamente não ser esquecido e “viver para sempre”, por ter sido muito marcante no que fez.
Na contemporaneidade, a discussão de que atleta é “maior ou menor” ganha cada vez mais destaque nos programas, nas rodas de conversa, e principalmente nas redes sociais e na internet. Uma discussão que normalmente vem acompanhada de argumentos baseados no que é matematicamente mensurável. Títulos, gols, e os famigerados “anos no auge”. E claro, a separação dos termos “melhor e maior” por si só já nasce de uma ideia que quer separar a forma do conteúdo. pra discutir a marca que aquele indivíduo foi, não importa o como, mas o quanto ele entregou. O esporte não se torna mais mecânico e reproduzível só no campo, mas também na forma como busca moldar a percepção do seu público sobre ele. Muitas vezes o jovem aprende que eficiência, obediência tática, produtividade estatística, constância (no sentido de nunca poder errar ou viver momentos ruins), etc, são o mais importante. É a expressão dando lugar a uniformidade.
O que torna o jogador um gênio, pra mim, é justamente o fato de que ele é uma força maior do que podemos compreender em termos banais. Não importa como você monta o time, todo o desenho feito previamente, o preparo pra erro 0 diante do fenômeno, se na partida é simplesmente impossível impedir o Messi de maneira humana. O defensor encara a figura e não consegue a entender, é como se ele estivesse lidando com uma força da natureza. Imprevisível, imparável, sedenta pela vitória. É claro que o Messi fez mais de 800 gols, é o maior vencedor da história do futebol, campeão de tudo que foi possível jogando. Mas acho que os números por si só é o que menos associamos ao Messi. É um jogador que marcou pela forma. Nós sabemos que o Messi era melhor que todos que enfrentava por que vimos como ele foi absurdamente dominante em todos os aspectos, não só por produzir muito, mas porque ninguém mais conseguiria fazer isso.
O Cristiano, personagem que sempre se vendeu como alguém obcecado por produzir e vencer não importa como, jamais seria melhor jogador do que a aberração argentina. Mesmo tendo números frios similares ou superiores em muitos momentos. Ao mesmo tempo, mesmo com toda imagem idealizada do atleta perfeito que ele próprio ajudou a construir, ainda vamos nos lembrar dele alterando completamente o curso de partidas por que simplesmente pensava “eu estou aqui”. Decidindo de novo, de novo, e de novo. Infinitos gols pouco importariam se o robô não fosse o tipo de ameaça que frustrava um adversário como o Filipe Luis mesmo depois de fazer boas partidas. Pelo simples fato de que ele se recusava a perder. Os penteados, a personalidade “bad boy”, a rebeldia frente ao conservadorismo britânico dentro e fora de campo nos seus tempos de Manchester United nos anos 2000 construíram um mito eterno.
“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”
Vocês já devem ter lido essa frase do Carlos Drummond de Andrade em algum lugar, e ela, assim como o Rei, sintetizam tudo que eu quero dizer aqui. O Pelé foi a força que elevou o futebol Brasileiro e mundial a um patamar do qual jamais sairá enquanto fenômeno cultural, pelos mais de 1000 gols e as 3 copas, ou por que as pessoas não podiam acreditar no que estavam assistindo? A 10 passou a ser fardada sempre pelo craque do time, a palavra Pelé virou sinônimo de excepcionalidade, quando ele se foi, o mundo parou pra chorar. Mesmo não tendo todos os vídeos possíveis como ocorre atualmente, mesmo que inúmeras gerações de jogadores tenham passado depois dele, mesmo com as controvérsias do cidadão, não é possível mais desmistificar a lenda. Porque todos que puderam presenciar nunca mais esqueceram do que viram, e ensinam a todos que vieram depois sobre aquela divindade Brasileira que se apresentava em campo. A coroa não sai mais da cabeça do Rei, não pelos 1000 gols, mas pelo misto de sentimentos insubstituíveis e imensuráveis que foi Pelé.
Essa é a imortalidade do jogador de futebol, não existe troféu maior do que ser eterno. Maradona, Cruyff, Ronaldo Fenômeno, Zico, todos terminaram a carreira “devendo” algum troféu, algum número, “mais anos de auge”. Ainda assim, eles não saem da memória e nem diminuem de tamanho. Porque isso não é mais possível, no fim inevitavelmente vamos eternizar mais eles do que algum jogador que pode ter conquistado mais, mas sem todo o pacote que eles entregaram.
Não é diferente pros termos atuais. Por mais que queiram acreditar que não, nem mesmo os que supostamente estão com a visão totalmente voltadas pro objetivismo vão se lembrar mais de Salah, Muller, Bale, Di Maria, De Bruyne, que de Neymar. Haaland com todos os seus gols, não é capaz de produzir no espectador o que sentimos com Mbappe naquela final contra a Argentina. E por mais que lutem o tempo todo contra a valorização da estética e o ato de assistir futebol pelo prazer de ver caras que sabem melhor que ninguém lidar com a bola, as pessoas vão se lembrar de Paul Pogba e Mesut Özil independente das carreiras não terem sido o que muitos idealizavam.
Claro, não da pra pegar todos os citados e jogar num bolo como se fossem o mesmo. Existem esses caras que são inesquecíveis pelo simples fato de ter sido muito divertido ver (não que não tenham conquistado, são grandes carreiras) e existem os gênios que mudavam tudo ao seu bel prazer, que foram além de todos os demais e que vão ser tratados como lendas, mitos, em alguns casos quase divindades por terem feito isso. O fato é que, o que cria esse sentimento, o que faz um garoto fazer o “siuu”, cortar o cabelo de determinada forma, se apaixonar pela camisa 10, tem muito mais haver com essa identificação criada a partir do sentimento do que com estar impressionado com o fenômeno estatístico que determinado jogador é por si só. Por mais que queiram reduzir o indivíduo ao que ele produz, nossa memória ainda tende a valorizar mais o que ele foi, o que ele transmitiu. E no fim, isso é ser o maior jogador.
on the idea of “the eternal” and being remembered. instead of jean luc godddard’s, who for me, ideas of immortality stem from a type of anxiety or insecurity regarding death. I invite us to remember this line from Carlos Diegues’ 1984 movie “Quilombo”; “Palmares is eternal”. I think this is a much better grounding for the conversation as there isnt an anxiety about death but instead replaced by the excitement of cultural continuity that can’t be terminated no matter how hard rivals try to dismember the continuity.
Thank You