22 homens em campo. A ampla maioria em um ritmo frenético, o jogo de futebol é uma batalha pela meta e, sobretudo, atualmente condiciona os seus participantes a isso – exceto um. Sempre me chamou atenção que Kroos caminhasse. Não em um sentido negativo, ele consegue acompanhar muito bem qualquer partida. Mas em como ele consegue manipular a partida ao ritmo Kroos. Há muitos séculos, o maestro na música é descrito por muitos como um canal entre a energia e a expressão. Esse papel não é meramente de um organizador, mas de alguém que canaliza a energia e a conexão entre a plateia, os músicos e os instrumentos e direciona isso no que se torna o coro; e Kroos é um verdadeiro maestro do jogo de futebol.
Ele é essa figura que vai além do ato de organizar e ditar. Kroos é o canal entre a beleza, o ritmo, as ideias, as características e aquilo que nos faz abrir sorrisos de orelha a orelha na arquibancada ou no sofá – o jogo bonito. Raramente é Kroos quem dribla 1, 2, 3 marcadores ou finaliza as jogadas com o gol ou o passe final, mas ele possui o papel não menos importante de transformar toda a pluralidade de fatos que uma equipe de futebol tem em um todo. Que nesse caso, é lindo e harmonioso. Quando o Madrid pensa em acelerar demais, é nos pés dele que a bola encontra descanso e o jogo pausa. Dessa pausa nascem as infinitas possibilidades que esse ataque nos proporciona. Todas as vezes que vemos Vini, Rodrygo, Brahim, Bellingham, Guler, fazendo aquele salseiro na frente temos que nos lembrar que por trás deles existe um gênio que entende quase que perfeitamente como e quando a redonda deve chegar.
Na sua postagem de despedida ao amigo, Casemiro disse que Kroos era o jogador perfeito. Confesso que a ideia de perfeição ou da busca por ela não é algo que me encanta, mas eu entendo nesse caso. Kroos não foi o melhor jogador do século, mas em tudo que se propôs a fazer certamente foi o que passou mais próximo do erro zero. E se falamos disso, precisamos falar de forma, que lindo foi ver durante todos esses anos esse homem que era referência, complemento e refúgio para todos os companheiros. Do mais ao menos limitado dos zagueiros que viam no camisa 8 à frente deles uma salvação no momento de pressão, nos laterais e nas infinitas combinações e dinâmicas de atrair a marcação para liberá-los com espaço, nos atacantes que sempre recebiam os passes mais açucarados do mundo e faziam o mais simples depois, nos companheiros de meio que viam um sujeito que estabeleceu uma conexão quase psíquica com eles e formou um trio histórico.
Tenho conhecimento que vou usar um termo clichê, mas Kroos é um “maestro invisível”. Aquela velha história do jogador que “aparece pouco” mas que, se você passar a prestar atenção majoritariamente nele, vai ver tudo do futebol. Talvez por isso eu tenha essa sensação de que demoramos a perceber do que se tratava. Quando falamos em Xavi, Modric, Iniesta e Kroos, normalmente é uma minoria os que hesitam em pôr o alemão no último lugar. Por isso essa temporada foi tão fundamental, e acho que o ato de despedida dele, até como um personagem mais expressivo e emotivo, passa por deixar esse Kroos como memória final.
23/24 é Toni Kroos com toda a sua realeza. Vou me lembrar como algo lindo e doloroso, como satisfatório e devastador. As recorrentes contradições que o mundo da bola possui e, no fim, são parte da experiência de amar esse esporte. Parte da experiência de amar o jogador que Kroos foi, é uma facada porque não queremos que acabe. Nesse sentido, como um amante da imagem, do jogo e de Kroos, vou ficar para sempre com os registros presos à minha memória. No fim, isso me encanta mais que as inacreditáveis 5 Champions e até mesmo a Copa do Mundo, não é que os títulos não façam parte da narrativa, mas é a experiência de ter visto e vivido a era Kroos no futebol que me arranca lágrimas.
Vai ser impossível assistir futebol e não sentir saudades. Por mais que existam outros craques, por mais que existam novos craques, não existe outro Toni Kroos. Aquele modelo azul e branco da Adidas inconfundível, a postura de um verdadeiro mestre de cerimônia, a cabeça sempre erguida e as mãos pedindo calma e dando aos companheiros o caminho mais tranquilo para se jogar futebol – tudo isso em um camisa 8 que “não se adaptou” ao ritmo do jogo, mas que o manipulou ao seu próprio ritmo. Vou sentir saudades de te ver caminhar, obrigado Toni.