Às vezes um jogo de futebol surpreende.
Outras vezes, não.
Ontem, não me surpreendi.
Quando Enner Valencia perdeu um gol feito, e depois outro pior, a velha máxima gritou como se fosse uma pessoa ao lado: “quem não faz, leva!”
O Fluminense era um tanto desconectado, muito devido à ótima partida que fazia o Internacional.
Mas, mostrando respeito a seus mandamentos, a bola resolveu fazer justiça. E, após dar duas chances ao centroavante colorado, foi a vez de dar duas ao tricolor, Germán Cano.
Os dois são bilíngues: falam espanhol e a língua do gol.
Mas, enquanto o equatoriano estava enferrujado, o argentino, perfeitamente inspirado – de novo!
Noite de Cano
Primeiro ato: Cano conduz o Fluminense num contra-ataque (que o Inter não deveria sofrer, já que chegava à reta final vencendo), e, com enorme presença de espírito, espera a hora mais-que-perfeita para soltar o passe para John Kennedy. O jovem ponta-de-lança consolida de uma vez só a história particular e a coletiva ao marcar o empate tricolor, mediante aquela cavadinha típica de quem sabe.
Segundo ato: Cano inicia a jogada e, depois da clássica “escadinha”, que nosso amigo Húngaro tanto gosta, vem a completá-la, com uma pancada seca, morta no canto de outro hispanohablante, Rochet.
E a vantagem que o também hispanófono Gabriel Mercado deixara aberta, no primeiro tempo, a favor dos gaúchos, era sobreposta pelos cariocas.
Como se diz no bom castelhano futebolístico, era a remontada.
Chacho Coudet, que fala o espanhol há mais tempo do que todo mundo, ficou foi sem palavra nenhuma. Era a segunda vez no confronto que, estando em condição melhor, permitia o crescimento do adversário.
A media-cancha foi preponderante para isso. Especialmente quando o comandante hermano trocou Aránguiz por De Pena. Eles, ainda que compartilhem do mesmo espanhol, falam línguas diferentes com a bola aos pés.
Pelo lado tricolor, o brasileiríssimo Diniz podia lançar mão de Léo Fernández, mas optou por outro falante do espanhol, um mais inusitado: Yony González. Ele, junto ao compatriota cafetero Arias, dariam um calor em Hugo Mallo, espanhol de nascença.
Futebol é um jogo, comparável a um jogo de xadrez. As estratégias são próprias, transcendendo as barreiras idiomáticas.
Diniz, que, diriam os românticos, fala duas línguas, o português e o “futebolês”, foi melhor nos 180 minutos, e, na humilde opinião do presente cronista, de forma merecida leva seu Fluminense à final da principal competição bilíngue que conhecemos.
Lá, reencontrará o espanhol com Almirón, dos argentinos do Boca Juniors, ou o português puritano de Abel Ferreira do Palmeiras.
Enquanto isso, a bola continuará exercendo suas máximas, em sua língua própria.
A conquistará aquele que for mais fluente…