John Kennedy e o Drama do Atacante Brasileiro

John Kennedy gol da classificação contra o Inter no Beira Rio
Créditos: Matheus Gonçalves/Fluminense

“John Kennedy é um jovem de 21 anos, que faz parte de uma camada da população absolutamente desassistida e que o futebol virou a salvação dele e da sua família. São pessoas que o Brasil não quer dar dignidade. O que o Diniz está fazendo com o John Kennedy é sensacional, porque é um jogador que alguns devem ter dado como perdido. A frase mais fácil é: ‘Esse aí se perdeu’. E o que você está fazendo para ajudar ele? Nada! Só está dizendo que ele se perdeu.”

Paulo Cesar Vasconcellos 

“Esse menino é um grande vencedor. Está se tornando um homem cada vez mais íntegro. Esse menino é daqueles que o futebol brasileiro perde a rodo. Eu espero que ele consiga cada vez mais ter os pés no chão do tamanho do talento dele, que é gigante. Merece todos os aplausos, porque não é fácil ter a vida que ele teve e se tornar o que ele está se tornando. Não falo como jogador, não. É como pessoa. Jogador é só o reflexo da pessoa. Esse menino vale ouro. Mesmo que um dia a gente esteja distante, a gente vai sempre torcer para que ele consiga dar continuidade a esse momento que ele está se encontrando cada vez mais consigo mesmo e se tornando não só um jogador decisivo, mas um homem de bem.”

Fernando Diniz

As adversidades vencidas por John Kennedy para chegar ao futebol profissional fazem dele um “grande vencedor”. Como dizem as aspas, é mais um dos poucos que superam a condição de pré condenado. Essa história, aliás, é comum no futebol, um dos poucos caminhos que permitem ascensão. O que é pouco visto, todavia, é a trajetória do – entre muitas aspas – derrotado. Fala-se na superação, nos méritos da luta – irretocáveis, isso não se discute; porém, o que leva os outros também milhares a se desviarem da rota? Quais foram os erros? 

Festas, atrasos em treino, contatos com droga, relacionamentos complicados e, mais importante que tudo isso, humano. Complexo por natureza, essencialmente sujeito a conhecer, se perder e recomeçar. Craque. O camisa 9 do Fluminense foi de marginalizado a desmoralizado, mas, diferentemente da maioria, recebeu assistência: 

“Relações são fundamentais sempre. Não é só pra ganhar o jogo. Temos que estabelece-las com mais profundidade, mais vínculo”

Fernando Diniz

Quando nos referimos ao treinador tricolor enquanto um agente de resgate do que entendemos que seja o futebol brasileiro, apesar da ênfase ser dada aos aspectos táticos de seu estilo de jogo e ao valor histórico presente neles, trata-se de um simbolismo que envolve dimensões ainda mais profundas. E o auge dessa representação talvez tenha se materializado na inesquecível noite no Gigante da Beira-Rio.

Diniz viu o menino correndo e o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino. E como conhecedor do jogo e do fogo das coisas que são, acreditou e, acima de tudo, amou o menino. É a potência da relação humana que constrói a estrada, pavimentada com a mesma segurança que há no brilho interminável do sol. Na coletiva após a partida, ver o brilho nos olhos do técnico ao falar de seu jogador, transmitindo toda a carga de sentimentos do convívio sem dúvida intenso e que bota a prova a inabalável confiança, foi uma confirmação desses valores. John Kennedy é um grande vencedor.

Não poderia ser de outra forma. Ou talvez sim. Mas não seria tão bonito. Somou-se tudo que havia de maravilhoso dentre as possibilidades tricolores. Era preciso o ímpeto do destemido urso no campo. O craque problemático, desacreditado, de voltas por cima e reviravoltas por baixo, numa aparição tão grandiosa que tremulou as percepções daquele momento numa repentina ascensão a ato. 

Uma cavadinha atemporal antes mesmo de se concretizar. Todos os movimentos naquele curto período de tempo, sustentado pela magnitude da redoma do palco, compuseram a primeira parte da memória. Logo acompanhada da segunda, arquitetada de forma quase que inversa. A longevidade da incerteza veio antes do remate, passando, porém, pelos mesmos pés. John Kennedy apenas acariciou a bola com a sola da chuteira para não permitir que a noite deixasse de ser sua.

A trajetória do conjunto que melhor representa a ancestralidade e o pertencimento do jogador a sua paixão, o reconectando com suas valiosas lembranças, precisava de uma coroação como essa. Quem, a princípio, não deveria estar ali, venceu o mundo e ascendeu ao trono por meio do amor de quem acreditou. John Kennedy é a fenomenologia do atacante brasileiro.

Diniz tirando John Kennedy da briga contra o Olimpia
Créditos: Estadão

Eu tive que aprender, a viver por aqui
Eu conheci o mal, confesso que eu gostei
Minha visão mudou, quem eu sou? Me perdi
Gostei de enlouquecer, mas tive que voltar

Para não causar dor, para não sentir dor
Tive que suportar, querendo capotar
Tive que apostar, ninguém pra acreditar
Virei ao meu favor, derrubei o tabuleiro

Eu tentei me afogar no ódio
Pensar que a terra não era um bom lugar
E a esperança que ele não move o mundo
Estamos prontos pra recomeçar

“Caminhos”, BK

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