Não lembro quando aprendi a gostar de futebol. Lembro que era chamado de Dieguito. Não pelo nome, mas porque de pé descalço sonhava repetir os mesmos desaforos com a bola.
Eu não sabia o que era um craque. Nem o que era um gênio. Eu sabia que assistia Dieguito com sua canhota indomável e ele era o meu herói. Ele era o meu início.
Eu via Dieguito com a bola. Ninguém poderia detê-lo. E, se pudesse, não importava, ele tinha vencido do mesmo jeito. Astúcia não é levar o troféu para casa, mas descobrir o que ser, como ser, porque ser no meio de dicotomias insolúveis.
Eu sempre fiquei imaginando como Dieguito tinha descoberto que era não só um jogador de futebol, mas que detinha dentro de si uma força da natureza.
A natureza é incontrolável. Quem tenta domá-la, será arrastado junto com ela.
A natureza é um duplo: a violência que decorre de seu movimento é repouso de onde emana vida no sentido mais sublime: potência de vida. É no seio, no repouso das forças da natureza que erguemos a arte, as relações, o conteúdo material de nossas vidas. A violência da natureza é essa dialética entre movimento e repouso, entre quebrar a cara para se redimir depois.
A natureza é violência e construção. É violação e re-união. É destruição que encaminha a sua própria redenção.
Dieguito era uma força da natureza. Uma força que me fez viajar por mundos diferentes. Ouvi tantas histórias e quero contar essa para vocês:
Era uma vez um menino que descobria os seus dotes em Villa Fiorito através de uma bola. O bairro era violento, mas isso não lhe importava. Com a bola, Dieguito podia ser muito mais. Ele cravava punhais na esperança de meninos enquanto cultivava amor no coração desses mesmos meninos. Ele andava nas ruas com uma bola grudada no seu pé esquerdo e, quando a erguia para a cabeça, todos paravam para vê-lo. Dieguito criava um reino com os seus pés.
Contam os privilegiados moradores desse bairro que o menino nunca cresceu. Se tivesse crescido, perderia o seu dom. Ele vivia fazendo traquinagem de casa em casa, sempre com uma bola no pé. As suas astúcias com a bola tinham a capacidade de — por um segundo — fazer cegos enxergarem, paralíticos andarem, mal amados sorrirem. Era um pequeno feitiço do tempo. Um filósofo do reino me disse:
– Dieguito era um herói. Divindade: Ele tinha todos os atributos para superar qualquer adversidade. Humanidade: Era impossível lidar com as consequências de seu dom.
Dizem os habitantes desse reino muito distante, onde os seus moradores gostam de se fantasiar de personagens do tango, que Dieguito redimiu o seu povo. Com capa, mas sem armadura, levou a bola com sua canhota mágica atravessando todo o campo até vencer o inimigo invencível. Dieguito era o povo desse reino que vivia numa batalha constante entre a astúcia e a violência. Dieguito fez sua vida para esse povo: uma dialética entre as forças incontroláveis da natureza — e as suas consequências brutais — e a dádiva que dela emana, o rio da vida que a todos toca com sua beleza e capacidade de redenção. A disrupção era a graça do menino, a varinha de condão do seu reino.
Ainda inebriados de tamanha satisfação pelo que presenciaram, os moradores desse reino resolveram me contar o que era o menino:
– Um menino que brincava e criava sem grandes responsabilidades.
– Dieguito foi um sacrifício.
– Deus do tempo que engole seus filhos.
– A nossa natureza.
Descanse El Pibe, el niño eterno que fue el héroe de la gente.