Tradução do texto original publicado em espanhol na Jot Down Sports
Logo mais se enfrentarão Espanha e França por uma das semifinais da Eurocopa. A última vez que a seleção espanhola venceu a Euro, o fez passando pela seleção francesa num jogo eliminatório. Foi em 2012, na Donbass Arena, em Donetsk. La Furia até então nunca havia vencido o escrete francês por partidas oficiais, mas saiu vitoriosa do confronto que precederia a conquista da Euro, porque aquela Espanha dirigida por Vicente Del Bosque não jogava futebol à toa.
Uma Espanha de posse e uma França sem Nasri:
Como em outras oportunidades, Del Bosque escalou a equipe sem atacantes de ofício. Ficaram no banco Torres, Negredo, Llorente e Pedro Hernández. Na equipe titular, apenas meio campistas, com Fàbregas o mais adiantado.
A ideia era limitar a França a seu próprio campo defensivo através da superioridade numérica e qualitativa. Tratar de ganhar a partir das combinações e movimentos em espaços reduzidos, bem à feição de Busquets, Xavi, Silva e Iniesta.
Talvez tenha sido uma proposta que só se fez sustentável por conta das circunstâncias daquele momento em que a Espanha contava com 6 dos melhores meias do mundo em pleno entrosamento, porque, como diria Juanma Lillo, “o mais importante é a superioridade numérica. A superioridade do número de bons jogadores que uma equipe tem em relação à equipe rival.”
Pelo lado da França, Laurent Blanc fez mudanças no seu planejamento habitual, para tentar mitigar os efeitos da evidente superioridade espanhola. A França era uma equipe limitada, o que ficou evidenciado após chegarem ao mata-mata como segundos colocados de seu grupo(a Inglaterra passou em primeiro), depois de uma derrota na última rodada para a Suécia de Ibrahimovic.
O favoritismo espanhol era tanto, que parecia que a equipe francesa precisaria, sobretudo, de um caderno de orações. Foi tendo isso em mente que Blanc, num ato quase que de fundamentalismo religioso, deixou o genial Samir Nasri no banco, mandando a campo uma equipe que defendia num 4-4-2 em bloco médio, que se tornava um 5-4-1 quando os espanhóis eram capazes de superar a primeira linha de marcação. Dadas as circunstâncias, a proposta soava adequada, já que ainda que os meias espanhóis fossem talentosíssimos, os franceses poderiam tirar vantagem da falta de opções de ataque à profundidade.
Sem pressionar a iniciação das jogadas espanholas, os comandados de Blanc preocupavam-se em compactar-se, tentando impedir que os meias adversários recebessem a bola em condições favoráveis e criassem algo a partir disso. Formavam uma trinca de meias, em que Malouda e Cabaye se ocupavam de vigiar os movimentos fora-dentro de Iniesta e David Silva em fase de transição, enquanto o físico Yann M’Vila se ocupava diretamente de Xavi.
A partir daí, a zaga se adiantava, com o intuito de, pressionando, conseguir recuperar a bola em um setor mais adiantado de seu próprio campo. Quando conseguiam, lançavam-se a contra atacar pelo lado esquerdo, onde se juntavam Malouda, Ribery e Benzema, os três melhores jogadores da equipe que foi a campo.
A seleção espanhola controla a partida
Era aquela Seleção Espanhola que todos conheciam, e portanto, Blanc sabia onde estava sua maior debilidade. Seu jogo posicional era baseado em ter a bola, e exigia que os laterais subissem, alargando a defesa adversária e gerando espaços por dentro, sobretudo porque quem iniciava aberto eram Iniesta e Silva, dois meias de pé invertido.
Durante a partida, os espanhóis tentaram respeitar a regra básica do jogo: um lateral sobe, enquanto o outro fica para a ajudar a lidar com possíveis contra-ataques. No entanto, o fluxo de passes no campo ofensivo foi tanto, que, talvez por inércia, não raro se encontravam os dois laterais de La Fúria mais perto do gol adversário que do próprio. A zaga então foi confiada aos brilhantes Piqué e Ramos, que àquela altura jogavam em sua plenitude, e contava com o apoio de Xabi Alonso.
Era também por conta dessa dinâmica que se aclarava o principal defeito da equipe espanhola: a inaptidão ofensiva do lateral direito Arbeloa. Zagueiro de formação, o canterano do Real Madrid era um excelente defensor, porém não contava com grandes capacidades associativas, de cruzamentos, ou de chegada à área adversária.
Ao longo da partida ficou claro que a presença do lateral gerava pouquíssimas vantagens ofensivas para a Espanha. Por exemplo, Ramos e Alonso, que iniciavam na construção pela esquerda, pouco foram capazes de executar seus famosos lançamentos longos e suas inversões de bola.
E como Arbeloa subia quase o mesmo tanto que o lateral esquerdo, mas com maior tendência ao erro e menos capacidade para a transição defensiva, visto que Alba, extremo de origem, contava com um par de pulmões privilegiados, Blanc montou sua estratégia para que a França conseguisse atacar por aquele lado.
Se tratar de atacar os espaços deixados pela subida de Arbeloa com seus dois melhores jogadores era uma manobra ofensiva, Alba fez com que o lado direito da França fosse pensado a partir única e exclusivamente da defesa. Blanc escalou dois laterais naquele lado, com Debuchy um pouco à frente de Réveillère, para tentar frear a conexão entre Alba e Iniesta. Contudo, não só a França pouco produziu ofensivamente por aquele lado, como também não foi capaz de dirimir os danos que a dupla do Barcelona os causaria.
Alba queima o caderno de orações francês
Sobre o papel tudo parece claro, mas o que marca as diferenças em campo é, via de regra, a qualidade dos jogadores. Por isso, Alba nem conhecimento tomou daquele lado direito de defesa da França, e por ali deu a assistência para o primeiro gol.
Foi no minuto 18, e veio desde as chuteiras de Alba, mas foi também graças à movimentação do inteligentíssimo David Silva, que a Espanha anotou seu primeiro gol. O futebol é um jogo imprevisível. Com a Espanha em fase ofensiva, Silva cruzava o campo toda vez que Iniesta descia e Alba ganhava altura. Com Fàbregas fixando ao central Koscielny e a um Glichy deslocado, Silva atraiu a atenção de Rami e Revéllière no momento em que Iniesta teve a posse.
Assim, eliminou a ajuda a Debuchy, que fechava como lateral quando a França formava linha de cinco. A precisão de Iniesta na enfiada de bola, e de Alba para atacar as costas de seu marcador, permitiram que a Espanha ganhasse a linha de fundo. Alba cruzou, e com Glichy ocupado com as pouco produtivas subidas de Arbeloa, não detectou a subida de Xabi Alonso, que apareceu livre no segundo pau para cabecear, batendo Lloris.
O 1 – 0 era o resultado ideal para aquela Espanha. Como a França, os adversários que a enfrentavam se fechavam, e, sem a presença de atacantes, a capacidade do time de gerar situações de gol era reduzida. Fica claro quando olhamos os resultados. Naquela Eurocopa, empatou 1×1 com a Itália, ganhou de 1×0 da Croácia, e empatou em 0x0 com Portugal. As duas goleadas, porém, vieram contra a Irlanda, quando Torres começou de 9, e marcaram um gol logo aos cinco minutos, e na final contra a Itália, onde também abriram o placar logo no início, aos 15.
Entra Nasri. Espanha responde e define.
Atrás no placar, e sem gerar perigo, Blanc teve que deixar de lado o fundamentalismo, e recorrer ao talento. Colocou Nasri aos 64’. Também mandou a campo Menéz, um atacante de potência, velocidade e gol. Saíram Debuchy e Malouda. França formou em 4-2-3-1 de maior ímpeto ofensivo.
As substituições de Blanc logo foram respondidas por Del Bosque, que entrou com Pedro e Torres. Se a França pretendia arriscar, a Espanha estaria pronta contra atacar-lhes e definir a partida. Movimento digno dos grandes treinadores.
O ponta do Barcelona debutava na competição e teve uma meia hora magnífica. Torres teve uma oportunidade clara a 10 minutos do fim da partida, mas foi anulada por um impedimento duvidoso. Não eram tempos de VAR, e Pedro, assistido por Cazorla, provocaria o pênalti definitivo do 2-0.
A seleção espanhola deixou os franceses saírem pro jogo, esperando entre bloco médio e bloco baixo. Isso beneficiou os trabalhos defensivos de seus laterais, toda vez que a dupla de volantes Busquets e Alonso conseguiu manter Nasri controlado.
Os comandados por Blanc não tiveram sequer uma finalização a gol na segunda etapa. Nem mesmo com a entrada de Giroud, que liberou Benzema para desmarcar-se e provocou jogo direto. Este, no entanto, foi bem defendido por Piqué, que venceu seus duelos aéreos com o centroavante francês, que havia sido contratado pelo Arsenal. O gol de Alonso aos 90 deu fim a uma boa partida de xadrez que, como sempre, decidiram os grandes jogadores.
Tradução do texto original publicado em espanhol na Jot Down Sports