
A partir de agora inauguro uma série de textos sobre a relação do futebol com a estatística. Não prometo nada.
Ao texto…
A vida melhor se explica à luz de grandes eventos. Costumamos pensar que pequenos eventos ordinários explicam as circunstâncias e nos ajudam a prever as coisas porque gostamos de controle, mas nada é mais decisivo do que um grande evento inesperado. Nassim Taleb o chama de Cisne Negro: um evento que possui efeitos extremos e permanentes. Esse evento de maior retorno, para o bem ou para o mal, acaba predominando sobre todos os outros acontecimentos, planejados ou não, de modo que o que acontece de ordinário durante todo o processo perde força causal. O que conta é variância alta.
É assim que melhor interpretamos os ciclos de futebol de seleção e de Copa do Mundo. Os jornalistas e comentaristas, por exemplo, amam e enchem a boca pra falar de processo e planejamento. Vão desde o presidente da CBF, até a escolha da comissão técnica, passando pela filosofia de convocação, se se convoca jogador que esteja nessa ou naquela situação etc. E tudo isso, vamos falar a verdade, não serve pra nada. Quero dizer, até serve; mas não é o ponto e nunca vai ser.
Quero dizer o seguinte: um ciclo muito bem planejado pode ir por água abaixo se você erra muito num jogo decisivo ou se um jogador de uma seleção adversária vive o seu melhor momento justamente no mês da Copa. Todo o resto não valeu de nada. (E, lembre-se, futebol não é arte, não é virtude, não é a vida como ela é, não é nada disso: é simplesmente jogo. E num jogo você ganha ou você perde, e se você perde, perdeu, se ganha, ganhou. E volta tudo para o zero de novo.) Mas o contrário também é verdade. Um ciclo inteiro ruim significa muito pouco se um evento extraordinário positivo acontece às vésperas da Copa.
Agora eu gostaria de aplicar tudo isso ao contexto atual. Jorge Jesus.
Se o técnico português assume o comando da seleção brasileira, tudo muda. Há carências significativas no time, é claro, mas temos bons jogadores, alguns dos melhores do mundo. E basta um encaixe para voltarmos a pensar no título mundial; então tudo o que aconteceu antes da chegada de Jorge Jesus não terá nenhum peso explicativo. Bom, você me dirá que o Cisne Negro de Taleb é imprevisível (se não fosse, seria controlável e perderia poder de influência). Por que então digo tudo isso?
O que estou fazendo é uma aposta. E eu devo apostar porque sei que é justamente esse tipo de evento apocalíptico que muda e explica tudo. Se fosse fazer uma previsão baseada nos milhares de eventos insignificantes do passado (cada amistoso, cada jogo da eliminatória), então, realmente, eu não teria porque apostar numa chance do Brasil. Mas é que eu sei que, diante de um cisne negro, tudo o que passou não conta mais; e mesmo que contasse, a conta não seria alta o suficiente frente ao apocalipse da vinda de Jorge Jesus.
O que vai importar para o Brasil não é todo o ciclo 2022-2026, mas se vão acertar um único jogo-aposta decisivo e definitivo. É assim que são as coisas.
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(Pense em times que tem poucas chances de gol e acabam vencendo eliminatórias. Existe uma razão estatística pra isso, que é aposta do time num cisne negro. Há muito o que ser dito sobre isso. Enfim, a intenção é continuar escrevendo sobre a relação da Estatística com o jogo futuramente. Continue acompanhando. Valeu!)