O debate sobre identidade do futebol brasileiro efervesceu novamente, é claro; e, como tudo o que diz respeito ao Brasil, é coisa difícil. Mas não deixa de ser curioso o rumo em que a conversa se meteu: o problema agora não é mais se os predicados propostos dão conta do conceito, ou, se os elementos que constituem a tal identidade foram postos de maneira coerente, sendo tais elementos na medida do possível suficientes, definidores e explicativos da “forma brasileira de jogar”; a própria possibilidade de se falar em identidade é a questão.
E o motivo dessa dificuldade está na realidade evidente da diversidade. A diversidade existe. No caso brasileiro, a diversidade salta aos olhos na sua expressão cultural, artística, linguística e, para nosso interesse, na forma de se jogar futebol. Podemos dizer, por exemplo, de uma escola gaúcha, nordestina ou carioca, e cada uma delas com suas especificidades, daí que muitos argumentam que já não se pode falar em jeito brasileiro de jogar, porque afinal há muitos “Brasis”. Assim – pensa-se – há inúmeras escolas; cada treinador treina de um jeito; cada time histórico no Brasil é único; o Brasil de 70 não tem nada a ver com o Brasil de 94.
O problema desse pensamento não está na afirmação da diversidade – antes, afirmamos também a diversidade. Mas a negação da identidade é que se constitui o erro, como se tivéssemos que excluir uma para assumir a outra. Mais do que isso: todo conceito e toda atividade racional-intelectiva não é outra coisa senão abstração da identidade do diverso. Achar o idêntico e criar o conceito é uma atividade natural do pensamento. É a própria forma da inteligência operar.
É por isso que Tales de Mileto é o primeiro a ser chamado filósofo. Não é por sua tese de que tudo vem da água ser próxima da realidade, mas porque marca a forma de um tipo de pensamento, científico e racional: que existe uma elemento imutável e idêntico na diversidade dos fatos (No caso dele, a água). Existe algo que permanece em meio às diferenças.Tudo o que se nos apresenta é assim diverso, dinâmico, mutável; o que a inteligência faz é buscar em tudo isso a identidade.
De fato, há uma variedade e diversidade na forma de se jogar futebol no Brasil. A seleção de 70 é uma coisa, a de 94, outra. Não estamos dizendo que não há diversidade. Dizemos, todavia, que também há identidade. Que nos dois times existem elementos parecidos, que há algo que se abstrai dos dois e falamos: “tanto esse quanto aquele tem isso”. Esse “isso” é a marca que define o conceito – Assim nasce até o conceito de árvore, já que cada árvore só pode ser igual a ela mesma (!). Assim também nasce o conceito de homem, de mulher, e por causa disso também que se pode falar em “futebol brasileiro”.
Se não posso falar em futebol brasileiro porque o futebol nordestino é diferente do carioca, então não posso falar de maneira nenhuma em brasilidade sob qualquer aspecto, seja a música seja a literatura ou qualquer expressão artística e cultural. Esse tipo de coisa não é difícil de admitir. Todos nós crescemos com Galvão Bueno falando de escola italiana, escola inglesa e escola espanhola de se jogar futebol. Não há nada mais natural do que pensar nas heranças, nas características que marcaram cada seleção durante a história. Nessa história toda está a história do Brasil, marcado pelo “jogo bonito”, pela autonomia e brilho individual.