Parando na contramão

Costumo ir ao bar do Plácido quando estou em Campo Belo, cidade no interior de Minas onde nasceu meu pai. Ele fica no entorno dos campos do Comercial e do Sparta, triangulando com o bar do Popó e o do Nabor. Tomando uma com o velho, canjiquinha e carne de lata, prosa pra lá, prosa pra cá, ouvíamos os atleticanos lá dentro assistindo ao Galo tropeçar na Sula. Até que chegou um fusquinha branco surrado na contramão, cruzando a rua e parando em frente à nossa mesa. Alertado pelo dono do bar, o senhor de camisa azul entrou retrucando:

— Sô um cara de esquerda, só paro na esquerda.

Rachamo os bico.

Na mesa ao lado, dois velhos frequentadores comentavam a rodada da Champions:

— As defesa lá são ruim demais, cê tá doido. Todo jogo é 3×3!

Um deles lamentava a eliminação do Cruzeiro, eu defendia a sobrevivência do Flamengo e o dono do fusca, corinthiano, falava do sofrimento que foi empatar em casa contra o Cali. A conversa engatou.

Com a cabeça remendada de pontos, os olhos vesgos nos óculos de grau e os pelos do peito pulando para fora da camisa azul, encostou na nossa mesa. Segurava o cigarro numa mão, a cerveja na outra e continuou a falar do Corinthians. Nascido em Campo Belo, de pai tricolor e família botafoguense, passou a juventude dividindo o coração. Tinha simpatia pelo Cruzeiro e era Botafogo só para contrariar o pai, mas no fundo ele gostava mesmo era do Corinthians. Ouvia aquela história dos anos sem ganhar nada e passou a escalar o time no botão.

Depois que mudou para São Paulo, não teve jeito. A mulher podia brigar, mas batia ponto quarta e sábado no Pacaembu. Até que, em 1987, o Botafogo foi jogar lá e ele teve que tomar uma decisão. Mesmo tonto, o mineiro é pragmático. Assistiu ao primeiro tempo na torcida do Corinthians e, para escolher enfim seu time, tentou passar para torcida carioca no intervalo. Era só uma gradezinha que dividia os setores, e ainda tinha um portãozinho. O segurança precisou intervir na loucura, facilitando a decisão. É Corinthians, até debaixo do cacete.

Ainda recordou o gol do Basílio em 1977. Em casa, tinha um pequinês “mei debi-mental” que não deixava vibrar no jogo. O cachorro deitava debaixo da mesinha da sala… se comemorasse gol ele avançava. Mas naquele dia não tinha bicho que segurava. Berrou quando a bola entrou e na mesma hora o pequinês abocanhou. No dia seguinte, foi para o tiro de guerra em Varginha com o coturno no pé esquerdo e uma chinela no pé direito, cheio de pontos.

Quase indo embora, veio o cruzeirense e lembrou de um causo de pescador. Estavam no barco em furnas, ali pros rumos de Cristais, fumando de janela fechada. Passou um tempo e o trem começou a inclinar para a esquerda. Para não interromper o fumo, pediu ao corinthiano que ajeitasse o timão para a direita.

— Pra direita eu num vô!

E o barco continuou tombado.

Matou o cigarro, esvaziou o copo, cumprimentou nós todos e saiu com o fusquinha da esquerda para a direita.

Fusquiinha do Corinthiano

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima