Para mim um dos últimos remanescentes do realismo poético italiano dos registas. Para o meu pai, “o camisa 8 de verdade”. Para a molecada da rua, o preto que todos queriam ser. Para os ‘bianconeros’ o garoto de ouro. Para os amantes do jogo, tudo; deleite total. Aos companheiros, risco e possibilidade. Para ele, PogBoom, capaz de inventar novo mundo em uma jogada. Para a “análise-séria”, um fracasso. Enfim, quem foi e é Pogba?
Como jogador, foi a palavra ‘calciociatore’. Ator dramático que se livra do coro e conta sua jornada sem amarras objetivas. No palco do ‘calcio’ foi ator que valia o ingresso, o silêncio e a surpresa seguida do “uff”. Quem viu, logo, viveu.
Após a surpresa do novo ‘príncipe etiope’, o mesmo foi vencer no seu país. Na França, decidiu que iria dançar sua bela dança no maior palco de todos: a Copa do Mundo. Desde então, se tornou um dos caras que mais inspirou uma juventude inteira, uma classe e uma cor que desafiava o mundo da mesma forma com que ele driblava cheio de exageros.
Antes disso, havia decidido que iria para as ilhas britânicas, onde passou seu pior momento. A luz forte e viva, foi sendo enterrada pela brisa sólida e cinza produzida naquele pedaço de mundo. Avesso e antiquado, num mundo sem risos e inteiramente objetivo, Pogba desapareceu.
Com pesar, relembro como essa força da natureza foi se apagando. De peça melodramática de movimentos elegantes e cortantes como esgrima, foi enterrado pelo próprio meio. O futebol, àquela altura, exigente quanto às atribuições e resultados, não entendia como Pogba era isso tudo e muito mais, sendo ele mesmo. Passou a ser um corpo estranho. Não estava mais num grande palco, encenando/encarnando tudo que foi e poderia ser, não havia espaço para a arte. Encontrou um mundo que pune a beleza e encara a abdicação da mesma, junto a extrema eficiência da operacionalização da técnica, como solução moral para um modo de vida seguro e controlado. Foi isso que Pogba enfrentou. Tudo que tinha em mãos anteriormente, passou a ser exclusivo de algum mandão que subjugaria sua diferença à ordem coletiva fechada. Arte não existia, não tinha o porquê. Ou ela representa a harmonia de coisas belas casadas entre si ou um objeto deformado e sem sentido, amorfo e igual. É de quem enxerga. E Pogba passou a ser o objeto exageradamente deformado que precisava ser moldado à caráter do jogo ideal de alguém. Obviamente, não correspondeu a essas obrigações e passou a ser perseguido pela nova burocracia. A imprensa insistia: “não tem compromisso”, “fez quantos gols esse ano” “quantas assistências” “é superestimado”. Então, aos poucos, passamos a assistir o adeus à linguagem daquele despojado meia francês. Não aos cabelos coloridos, não aos adereços, não às jogadas improvisadas, não a junção de alternativas que pipocavam em sua mente como parte de sua cultura ancestral mistica.
Em Deschamps, teve seu tão merecido entendimento, que não via desde seus anos na Juve ou nos rachas de rua. A Copa do Mundo foi o reencontro mágico do homem e bola, homem e o artefato miraculoso que desvenda o espírito. Foi maravilhoso. Ele a levou sem qualquer amarra.
Pogba apesar dos tropeços, foi tudo e um pouco mais. Teve uma grande carreira, no que diz respeito à atuação, liderança e mesmo, futebol. Sua aposentadoria precoce, corresponde a uma mácula do futebol moderno. Quem foi Paul Pogba? Não pergunto sobre feitos; pergunto exatamente, quem foi, o que representa e como foi, em gênero humano. A redução do indivíduo e sua humanidade à tabelas e resultados é o grande crime do nosso tempo. O futebol enquanto forma de arte, não pertence a essa seara, e a atitude humana que fornece essa arte é quem menos pertence a isso. A objetividade numérica não responde quem foi Pogba, também não consegue comportar a importância de um giro, a animosidade de uma pisada, isso foi Pogba. A individuação é a maior causa do jogo, e ela não é soma. Se Pogba lidou com técnicos intransigentes, também lidou com jogadores que bastavam dois pés e uma mente ocupada pela radicalidade do plano. Resistiu. Pogba deixar o futebol nessas condições é simbólico em discurso, estética e condição humana. Pergunto a vocês, quem foi Pogba? Mártir.
C’est la fin du monde