Difícil dizer algo que ainda não foi dito. Mais difícil ainda é dizer algo que faça justiça ao tamanho da história escrita por Jürgen Norbert Klopp no Liverpool. Escrevi várias vezes que o trabalho de Klopp na Inglaterra foi a consolidação da repaginada Escola Alemã, muito vinculada à modernidade, mas que não perdeu de vista suas raízes no futebol germânico de Helmut Schön e Udo Lattek. Um jogo vertical, intenso, funcional, sedimentado no movimento e nas assimetrias, que sempre valorizou o futebol heavy metal mas que jamais suprimiu o talento puro e inventino, tanto que foi solo fértil para a genialidade de Firmino, Alexander-Arnold e Thiago.
Klopp foi resistência. Enquanto toda a Alemanha foi tomada por uma onda guardiolista, que chegou com êxito até a seleção principal, Klopp se manteve firme em sua origem e em sua missão de adaptar a cultura alemã para o futebol atual sem mudar sua essência. Isso não quer dizer, claro, que Klopp não reviu seus conceitos e assimilou princípios de seu arquirrival na carreira, mas sua fidelidade ao futebol alemão jamais foi questionada: os 3 maiores times do Liverpool sobre seu comando, em 2019, 2020 e 2022, eram todos muito identificados com o jeito Klopp de jogar, que já foi o jeito Rangnick, o jeito Wolfgang Frank, o jeito Schön e o jeito Lattek. A cultura foi passada de geração em geração, e, na vez de Klopp, recebeu uma atenção e um carinho ímpares. Agora, com a crise de identidade do futebol alemão figurando como pauta nos principais debates do país, o valor de bater o olho num time, não importa a cor da camisa, e pensar consigo mesmo que “esse é um time de Klopp, esse é um time alemão” não tem preço.
Klopp nunca treinou a Seleção Alemã, e talvez se aposente sem jamais treiná-la, mas já fez mais pela cultura futebolística de seu país que muitos que passaram pela Nationalmannschaft. Se hoje, em paralelo com os treinadores alemães guardiolistas, temos toda uma jovem escola alemã e austríaca muito identificada com a cultura germânica, é muito por causa de Klopp. Ele construiu sua marca a partir de suas raízes e das raízes de seu povo, e com essa marca conquistou a Alemanha, a Inglaterra, a Europa e o mundo.
Mas Klopp transcende as conquistas. Se Guardiola, seu grande rival, diz que “o bonito é o que você pode causar”, acho difícil pensar em alguém que marcou mais os lugares por onde passou que Jürgen Klopp. Mais que vencedores, seus times transbordavam de paixão, de amor pelo jogo, de confiança no modelo e na proposta de Klopp, de humanidade, de afeto uns pelos outros. Klopp sempre foi o queridinho das torcidas, e incendiava as arquibancadas como ninguém. Pelo Mainz, pelo Dortmund e pelo Liverpool, Klopp sempre foi um torcedor no banco de reservas. Mais que perfeito, Klopp sempre foi humano. Sempre foi sincero, honesto, transparente, palpável. Podemos, claro, contar os títulos que Klopp conquistou (e chegaremos à inevitável conclusão que ele foi um dos maiores de todos os tempos mesmo se nos limitarmos a isso), mas Klopp foi muito maior que isso. O sentimento que ele deu ao Dortmund de ser capaz de bater de frente com o todo-poderoso Bayern, o sonho que proporcionou ao Mainz de, finalmente, ser um time de primeira divisão e o turbilhão de sentimentos que causou no Liverpool ao duelar com um clube-Estado como o Manchester City ou um gigante europeu como o Real Madrid. As campanhas de 97 e 92 pontos na Premier League que não terminaram em título, os dois vice-campeonatos da Champions League para o Real Madrid, são todas campanhas inesquecíveis para os torcedores do Liverpool e para os amantes do futebol que mostram, de fato, o tamanho de Klopp. Klopp é enorme nas vitórias e nas derrotas porque não se convence pelos resultados e não se perde nas decepções. Um dos grandes personagens do futebol.
Danke schön, Jürgen. Boa sorte na próxima jornada.