De fora para dentro, a excelente Suíça

“No começo do segundo tempo, Xhaka me disse que eu marcaria o gol.”

Ruben Vargas

Liderada pelo capitão e camisa 10 Granit Xhaka, que vive melhor fase de sua carreira, a Suíça chegou até as quartas de final da Eurocopa sem trancos nem barrancos. A vitória contra a desfigurada Itália no último sábado simboliza a campanha não apenas convicente, mas admirável dos comandados de Murat Yakin.

A verdade é que a Suíça faz tudo muito bem. Mesmo. Comecemos, então, pelo aspectos defensivos, parte um pouco menos interessante e que consigo ser mais breve.

Partindo de um 3-4-3 base, tanto a pressão quanto o bloco baixo foram espetaculares na partida das oitavas. Naquele primeiro momento, referências homem-a-homem muito bem encaixadas, em timing e coerência com as organizações. Quando bloco baixava, as distâncias eram controladas com excelência para compactar o corredor central.

Vamos ponto a ponto.

BLOCO MÉDIO/BAIXO

Da linha de meio para trás, Ndoye e Aebischer baixavam para compor linha de 5, dando forma, então, ao 5-4-1/5-2-3 suíço. Como fazem a maior parte dos alas no mundo, se colocavam numa altura entre as linhas quando a bola estava no terço central. A medida que a Itália penetrava o campo de defesa e transformava seu 4-3-3 em 3-2-5, os destaques do Bologna aderiam de fato à linha de defesa, gerando igualdade numérica e saltando conforme o lado da bola.

Já no meio-campo, Xhaka e Freuler protegiam de forma mais resguardada o corredor central, bem próximos dos zagueiros. Enquanto isso, Vargas e Rieder saltavam com maior ênfase quando a Itália formava um “double pivot” em altura média, e também cobriam os alas quando havia ruptura dentro-fora dos meias italianos.

A excelente compactação e o bom timing dos saltos sustentaram a efetividade dessas nuances, reduzindo o ataque da Itália à área a uma jogada individual de Chiesa.

FAGIOLI, REI EM TERRA DE CEGO

O jovem meia da Juventus foi, de longe, o melhor jogador da azzurra em campo. Rodeado por uma equipe desfigurada e um Barella apagado, incompreensivelmente distante da saída, Fagioli conseguiu tirar leite de pedra em alguns momentos no papel de regista.

Como dito anteriormente, os meia-atacantes da Suíça saltavam com maior ênfase no momento em que um interior italiano baixava ao lado de Fagioli. Para o azar do garoto, esse cara era Cristante. Portanto, enquanto Vargas tinha pouco trabalho, Rieder travou um embate interessante com o camisa 21.

PRESSÃO HOMEM A HOMEM

A forma como Murat Yakin armou a pressão homem a homem foi, talvez, o ponto alto da estratégia defensiva. Visualizando o campo todo, Vargas pressionava Mancini ao lado de Embolo, enquanto Rieder já iniciava sua cola em Fagioli, completando os encaixes de Xhaka e Freuler à trinca italiana. No campo de defesa, fica simples: 3 atacantes x 3 zagueiros.

Agora chegamos num ponto importante. Para induzir a saída para o lado direito italiano, e, portanto, afastar a bola de Bastoni e Barella, Ndoye encurtava mais a distância para Darmian que Aebischer para Di Lorenzo. Uma diferença sutil, porém suficiente para manipular a saída italiana e, logo em seguida, executar uma maré de saltos.

Passada a fase defensiva, chegamos à melhor parte. A Suíça deu um genuíno banho de bola na Itália, que marcou tão mal quanto atacou. Difícil entender o que quis Spaletti com suas mudanças, radicalizando a cada jogo após a derrota para a Espanha e enfraquecendo o que sua equipe demonstrara de bom nas primeiras partidas.

Tendo nada a ver com isso, os suíços souberam explorar os espaços cedidos por dentro do bloco italiano a partir de dois elementos centrais, fundamentados por uma série de dinâmicas: sobrecarrega no setor da bola e passes fora-dentro. Abaixo, o campinho ilustra como o 3-4-3 se modificava para um 3-2-5 com diferenças alarmantes nos papéis dos alas.

CAMPINHO SUIÇA

AEBISCHER POR DENTRO E AS TRÊS ALTURAS

Considero impossível falar do jogo ofensivo suíço sem começar com o meio de campo, e, indiretamente, com Thiago Motta e Xabi Alonso. Não é nenhum absurdo dizer que a Suíça foi a seleção que chegou à Euro com seus meio-campistas em melhor forma. Xhaka teve a temporada de sua vida no multicampeão Bayer Leverkusen, e Aebischer e Freuler fizeram um belíssimo trabalho na histórica campanha do Bologna.

Sabendo disso, Yakin criou uma estrutura que permitia Aebischer sair da lateral em direção ao centro do campo, dando corpo e fluidez no setor. É interessante pontuar que, na maioria das vezes, via-se cada meio-campista em uma altura diferente, criando linhas de passe em diagonal e executando desmarques curtos. Xhaka na base, podendo afundar na linha de defesa, Freuler como a primeira opção e, por fim Aebischer acompanhando o balanço.

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SOBRECARGA NA ESQUERDA

Entrando no campo adversário, a dupla de volantes suíça se somava ao setor da bola, gerando um acúmulo de 5 jogadores com a subida de Ricardo Rodriguez quando pela esquerda. Percebam nas imagens a pluralidade nos movimentos ao redor de Xhaka, referência da aproximação. Aebischer, Vargas e Rodriguez giravam constantemente o triângulo com uma rica variedade de padrão, procurando gerar ao menos uma opção de passe vertical, além da bola de segurança em Freuler, que retomaria a aproximação no lado forte na maioria das vezes ou iniciaria a circulação.

Nesses momentos, Xhaka ditava o ritmo de forma encantadora. Muita segurança e paciência no momento de soltar a bola, provocando a pausa necessária para que os desmarques curtos fossem executados e a Suíça conseguisse agredir a defesa adversária.

O lado esquerdo foi o preferido da Suíça. Somando o maior cacoete ofensivo de Ricardo Rodriguez em comparação a Schar, a qualidade e o conforto de Aebischer nesse tipo de cenário e também a capacidade de Ndoye para romper no lado oposto, essa organização pareceu bem natural para os jogadores. Tremenda fluidez.

SOBRECARGA NA DIREITA

O que não quer dizer que o lado direito tenha sido abandonado. Pelo contrário. Quando optavam por progredir no campo ofensivo por ali, a aglomeração acontecia em mesma intensidade. Notem a diagonal de Ricardo Rodriguez, zagueiro do lado oposto, o balanço dos volantes e o avanço de Schar. Nas primeiras imagens, Aebischer está ainda mais à direita que Reider, porém as últimas ilustram melhor a forma como a Suíça concluia as jogadas partindo daquele lado.

Quando na esquerda, era comum que as jogadas tivessem início, meio e fim por ali. Já na direita, o padrão era concluir no lado oposto. Quando posicionado numa zona intermédia, Aebischer era utilizado como ponte para Vargas. Em outros casos, Vargas atacava a última linha com Embolo por dentro, arrastando defensores para que Aebischer recebesse com espaço em amplitude.

PASSES FORA-DENTRO

Para que a Suíça pudesse construir pelos lados e atacar por dentro, o passe em diagonal era o elemento fundamental. Algo que fica mais fácil de visualizar tendo a questão da sobrecarga em vista. De nada adiantariam os apoios de Xhaka e Freuler aos corredores laterais se não houvesse movimento. Manipular um sistema defensivo envolve muito mais que superioridade numérica. Dessa forma, pequenas ultrapassagens no ponto cego dos marcadores voltados para o portador foram a chave para que a Suíça penetrasse o bloco italiano.

Imaginem a seguinte situação: Xhaka busca a bola na base da jogada e pisa nela. Aebischer, então, faz um movimento de dentro para fora, recebendo o passe colado à linha lateral. Ao mesmo tempo, Vargas oferece apoio, atraindo ainda mais Di Lorenzo. E é ai que entra Freuler. Com os defensores voltados para a bola, o camisa 8 se infiltra, recebendo por dentro do bloco adversário. Essa foi a toada do ataque suíço, contando também com outros jogadores nesse tipo de movimento.

POR DENTRO DO BLOCO

Quando Xhaka recebia por dentro do bloco ou próximo a ele, era como se os italianos entrassem num paradoxo. Se pressiono o camisa 10, o passe entra. Se não pressiono, ele não se afoba, e vai esperar até que alguém o pressione. O que fazer? E nessa o tempo parecia congelar. Com calma a Suíça dominava a defesa italiana, perdida no ritmo do capitão adversário.

E é claro que, durante o jogo, a Suíça também progrediu por dentro. O lance mais marcante, sem dúvida, foi o do primeiro gol. Akanji encontrou Embolo num excelente passe direito, tendo Ndoye em ruptura também por dentro. A jogada se desenvolve e Freuler, para variar, surge numa infiltração fantástica, abrindo o placar.

SAÍDA CURTA

Os tiro de meta da Suíça, construindo desde a pequena área com os excelentes Sommer e Akanki, eram os momentos mais divertidos para perceber a assimetria do 3-4-3. De trás para frente, Rodriguez ficava sempre alguns passinhos mais adiantado que Schar, já antecipando a entrada de Aebischer para o centro do campo, contrastada pela corrida vertical de Ndoye. Daí em diante, as três alturas do meio de campo já se evidenciavam, consturando a progressão para o campo de ataque.

325 BASE

Por fim, alguns frames que evidenciam o 3-2-5 como esquema base, bem marcante em construção média. Compondo essa estrutura, Aebischer e Vargas alternavam entre meio-espaço e amplitude, Ricardo Rodriguez se projetava próximo aos meio-campistas, alinhados numa linha de 2, mas que também balançavam com a bola.

E foi assim que a Suíça quebrou um tabu de 31 anos sem vencer a vizinha Itália e chegou às quartas de final da Eurocopa. Um futebol riquíssimo em todas as fases do jogo e que, apesar de partir de certas tendências da quase uníssona modernidade, se aprofunda nas características de seus jogadores para dar cara ao time.

Diante do futebol mediócre que a futura rival Inglaterra vem jogando, não dúvido que superem a campanha de 2021, quando também surpreenderam ao eliminar a campeã mundial França nas oitavas, mas caíram para a finalista Espanha na fase seguinte. Parece um time muito mais maduro e de vocação protagonista, capaz de escalar até o topo dos Alpes.

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