“Eu tive um pouco de azar, machuquei gravemente nesses últimos seis anos. Mas o futebol não foi injusto não. Muito pelo contrário, futebol me deu tudo que tenho hoje. Sou um cara muito grato à bola, ao futebol, a Deus por ter dado o dom de jogar futebol. Bola de ouro obviamente é um sonho de todo jogador, mas não acho que seja o máximo de tudo, só de você ter o respeito das pessoas já vale a pena”.
Neymar Júnior
Desde que Vinicius Júnior se tornou o favorito para vencer o prêmio de melhor jogador do mundo, um movimento de comparação (para variar) ganhou destaque no debate. Para uns, o craque do Real Madrid, ao vencer a Champions League e a iminente Bola de Ouro, se tornou “maior do que Neymar”. Esses “uns” produzem tais afirmações por pura aversão ao jogador do Al Hilal. Para outros, o fato do garoto vencer o prêmio atesta a queda do nível do futebol mundial. Esses “outros”, fãs de Neymar, alegam que o maior artilheiro da história da canarinho também teria chegado lá caso não disputasse com Messi e Cristiano. Um saco de discussão.
Como o próprio Neymar disse, a Bola de Ouro não é o máximo de tudo, e os sonhos, sim, visam conquistas, mas estão longe, muito longe, de se limitarem a isso. O público busca números e taças para argumentar para um lado e para o outro, mas, apesar do futebol ser competição, algo que as vezes nos esquecemos nessa conversa artística e cultural, o tal do “tamanho” não é assim quantificado. O problema está todo nessa hipótese ilógica, que nos prende no insolúvel “SE” e nos proíbe de aproveitar aquilo que “É”.
Para perceber que Neymar é melhor jogador que Vinicius Júnior, basta assistir aos jogos. É inegávelmente um dos maiores gênios da história do futebol, proporcionou mil e uma noites fantásticas a quem se propôs a apreciá-lo. E, sem porém, perdeu. O adverso não existe aqui. Para perder, não é necessário deixar de ser um gênio ou jogar todo o legado no lixo. Neymar perdeu para as próprias escolhas e para as tristes lesões que o tiraram dos gramados nos últimos anos. Perdeu, assim como venceu, para si. Mas o que foi que perdeu?
O problema, mais uma vez, está nas lentes escolhidas para perceber o jogo. Pensemos em “ganhar ou perder”. É fato que, sob esse raciocínio, Neymar perdeu duas Copas do Mundo e, sim, a Bola de Ouro (ainda que tenha merecido a consagração em 2020/2021). Voltando ao “SE”, o craque poderia estar há muito tempo e até hoje jogando no mais alto nível e competindo. Condições que o tornariam o grande candidato ao prêmio. Mas está na Arábia Saudita (uma escolha que o retirou do palco privilegiado) e com o ligamento do joelho rompido.
Neymar é o que é. Pro bem ou pro mal, não existe na hipótese. Então porque não valorizar o que não vai mudar? Para não falar do bobo apego à Bola de Ouro. Para que serve um prêmio além do reconhecimento? Alguém é e por isso é premiado, não premiado e portanto passa a ser. Os gols inesquecíveis, os dribles inacreditáveis e os passes surpreendentes estavam e estarão na memória antes e depois da cerimônia. Neymar não deixará de ser quando encerrar a carreira por não ter esse trófeu na galeria, e Vinicius Júnior não tem nada a ver com isso.
Pior que a hipótese é a comparação. A primeira ao menos coloca o indivíduo contra seu próprio potencial, enquanto a segunda condiciona os feitos de um ao outro. Vinicius é menos pois Neymar é mais? É claro que a premiação implica na comparação, mas sequer estão disputando entre si. O camisa 7 do Real Madrid foi o melhor jogador de futebol da temporada, protagonizando espetáculos e gols em partidas decisivas, como na final da Liga dos Campeões.
Se for para essa comparação infundada servir de alguma coisa, que seja para engrandecer o garoto. Já que, sejamos realistas, é uma completa injustiça. Tanto para Vinicius, que não é e dificilmente será o jogador que foi seu ídolo, quanto para Neymar, que não merece ter seu talento descredibilizado por motivações extra-campo, das quais prefiro nem comentar.
“Vencer na vida? Que porra de vencer na vida? Eu ganhei uma paz enorme quando eu falei ‘Eu não quero vencer na vida, eu quero viver!’
Eduardo Marinho (Interlúdio na canção “Gestão” de Sant)
Essa ideia de vencer na vida é um inferno
Coloca meus irmãos como meus adversários, meus inimigos, não aceito isso! Eu não quero ser melhor do que ninguém, velho
Se eu for melhor do que você em alguma coisa, você é melhor que eu em outra”