Há uma inversão de narrativa sendo feita por quem defende que o jogo de posição é plenamente praticável em qualquer contexto. Segundo eles, ocorre uma “demonização” dessa cultura.
Para início de conversa, esse estilo de jogo se tornou, sim, hegemônico na esfera do debate futebolistico. Após o sucesso de Pep Guardiola no Barcelona, a figura do técnico e a tática assumiram um novo papel na percepção da massa sobre o jogo. Negar isso é ignorar a última década. O “tiki taka” foi tratado (e vendido) como o próximo estágio da evolução futebolística, o surgimento de algo novo e transfomador, que condensava todas as características positivas do jogo no imáginario do consumidor do futebol. Disciplina, gols, posse e ciência em um só modelo.
Paralela a essa subida ao topo da ordem do discurso no campo do futebol, a produção acadêmica acerca dessa filosofia de jogo se expandiu de uma forma jamais vista. A curiosidade e o interesse do público em compreender a equipe de Guardiola casou com a ascenção da nova literatura. A inevitável consequência: nos últimos anos, o jogo de posição foi, provavelmente, o primeiro tema tático consumido pela maioria que resolveu ir um pouco além na tentativa de entendimento do jogo. Analogamente, surgem as redes sociais e uma nova e eletrizante dimensão social para o debate.
Como escrito no texto que tanto repercutiu (thread que procurou explicar e exaltar o jogo de posição), ao furar a bolha e chegar nas grandes mídias, ex-jogadores e jornalistas tiveram voz para comentar sobre o assunto que estava e está em alta. E aqui entra o outro ponto em que eu queria chegar. As ditas “balelas” (jogo de totó, futebol engessado, robotização dos jogadores e redução da liberdade) que caras como Rivellino, Pedrinho, Muricy Ramalho e outros com anos de experiência no futebol brasileiro, de cultura própria, falaram são realmente um “enorme desastre”?
É evidente, todos nós sabemos que o jogador não vai ficar imóvel na definição da palavra. Nenhuma dessas críticas é literal. No entanto, elas saem da boca de indivíduos imersos em uma tradição de futebol que resulta nessa percepção do jogo de posição. Rivellino e Pedrinho estão acostumados com uma vertente de jogo que prioriza a intuição e os movimentos desvinculados a espaços pré determinados (ataque funcional). Portanto, ao ter contato com a teoria da racionalização dos espaços e das trocas de posição, a reação é aquela.
Será mesmo que eu, você, o analista e o autor temos mais consciência do que é a liberdade para um atleta do que ex-profissionais?
As ações de um indivíduo são compostas por camadas de desejos e subjetividades influenciadas por um contexto, por uma estrutura. Os jogadores brasileiros estão historicamente acostumados a uma ordem mais flexível, com ênfase na subjetividade de cada jogador. Já o jogo de posição nasce do estudo profundo de momentos e jogadas frequentes e exitosas do futebol, a fim de desenvolver mecanismos e dinâmicas que produzam essas situações com maior volume e eficiência. Ou seja, uma ordem de maior pré determinação das ações e de cunho objetivo.
A evolução desse modelo nada mais é que a descoberta e o aperfeiçoamento dos mecanismos. No texto, o City é corretamente nomeado como essa “evolução” do plano de Pep. A equipe inglesa é o auge do funcionamento da máquina, com jogadores especializados em pô-la para funcionar. Não atoa os exemplos de “centro de jogo denso” e “espaço de habilidade” são do Barcelona de 12 anos atrás. Esse jogo de posição foi se esvaecendo a medida que o método foi se aperfeiçoando.
E então chegamos ao que o József Bozsik chama de “fast-food posicional”. Se a filosofia de Pep se tornou hegemônica no discurso da “bolha tática” fora do meio do futebol, imagine dentro. A quantidade de treinadores que se afogam na fonte guardiolista cresceu exponencialmente.
A questão é: muitos podem se inspirar, estudar e por em prática os métodos do catalão, mas ninguém é ele. Evidente que surgiram ótimos técnicos nessa escola, mas também apareceram os que não são. Entre eles, Vitor Pereira. O português, segundo o texto, escolheu uma forma de jogo de posição incompatível com as características do elenco. Ou seja, ele não entendeu de fato o que ele está pondo em prática. Em outras palavras, não tem sensibilidade e percepção.
A “vilanização” do jogo de posição passa exatamente por isso. As criticas não são diretamente ao modelo, mas à aplicação em escala industrial, que desconsidera o contexto, as subjetividades e a cultura. Ocorre um atropelamento da pluralidade, vendido como expansão da modernidade.
Texto retirado do meu Twitter, Comentarista Burro