Sampaoli e Pedro: o lobo e a raposa

1)    O soco é a manchete

Isso não tem nada a ver com Pablo Fernandez. A situação já era insustentável e o soco apenas antecipou o que, cedo ou tarde, viria à tona. E não era necessário conhecer os atritos de bastidor que agora aparecem. É fato, a agressão traz uma nova cara à história, introduz novos protagonistas e permite outras abordagens; mas é só um episódio que esconde, ao mesmo tempo que revela, um problema criado e negado pelo Flamengo. Pedro e Sampaoli nunca deram e tampouco dariam certo.

2)    Pedro: antes sua mãe chorando do que a minha

              O flamenguista Pedro chegou ao clube por pedido de um treinador que usa dupla de ataque, jogou apenas um campeonato carioca sob seu comando e o viu sair. Nos dois anos seguintes, foi treinado por 4 treinadores diferentes, mas que tinham algo em comum: não usar uma dupla de ataque. Viveu bons momentos quando obteve sequência, como no Brasileirão 2020 com Domenec, quando Gabriel se lesionou, garantindo inúmeros pontos à equipe. E outros maus quando amargava a certeza da reserva. Até que chegou Dorival Júnior (não podemos ignorar a lesão de Bruno Henrique, mas qualquer um dos outros treinadores pré e pós Dorival não fariam um losango – até porque também conviveram com lesões do camisa 27 e não seguiram esse caminho), casando as características dos jogadores com o sistema que melhor as potencializariam, não o inverso. Pedro foi eleito Rei da América e convocado à Copa do Mundo.

              Quando tudo parecia ótimo, Pedro viu o primeiro técnico que resolveu o dilema da dupla de ataque ser chutado para fora do clube de maneira inexplicável. E não surpreendentemente foi um dos jogadores que mais expressou indignação com a decisão da diretoria. Imagine o quanto isso não afetou seu psicológico “frágil”. O camisa 9 sempre demonstrou que seu estado mental tem grande influência no futebol que apresenta, no sentido ruim da coisa. Quando está mal, entra num loop. Joga mal, se frustra, joga pior, se frustra mais…

              E mesmo com o bom início em 2023, enquanto Vítor Pereira ainda tentava usá-lo junto com Gabriel (sacrificando ainda mais o futebol do camisa 10, que parecia gostar da mutação a meia e chegou a fazer boas partidas) num 3-4-2-1, algo que Paulo Sousa também chegou a testar, o desempenho da equipe entrou em queda livre e a “retroalimentação da má fase” foi se intensificando à mesma medida. Jogou mal, se frustrou, pegou banco. E para piorar para o lado do 9, chegou Sampaoli.

3)    Jorge Sampaoli e os centroavantes

O argentino tem um histórico de dissonância com camisas 9 que teve em mãos. Sergio Agüero, Gonzalo Higuaín, Ricardo Oliveira, Arkadiusz Milik e Rafa Mir, todos deram declarações contra o treinador e relembram maus momentos sob seu comando. Seja por questões de relacionamento, seja por questões táticas, os citados transmitem repulsa à figura de Sampaoli em suas declarações. 

Arkadiusz Milik reclamando de Jorge Sampaoli print OneFootball
Aguero reclamando de Sampaoli em Live

“O que você está fazendo, senhor? Corra para o lado em que nós (jogadores) estamos!” – Agüero

O pai de Higuain apontou em entrevista ao “El Bocon” que, mesmo com o filho e “el Kun” disponíveis, a seleção argentina chegou a jogar com Enzo Perez de falso 9. Assim podemos refletir: qual é o papel do centroavante no sistema de Jorge Sampaoli?

Desde que chegou ao Flamengo, Sampaoli deixou claro que jogaria com apenas um atacante. Com 3 ou 2 zagueiros, ou seja, no 3-1-5-1 ou no 4-2-3-1 base, seria sempre “1”, e esse “1” seria Gabigol sempre que disponível. Natural. Em situações alternativas, usando Cebolinha e Luiz Araújo, por exemplo, o 4-3-3 também contaria com Gabi ou Pedro. Um ou outro. E o losango que tão bem funcionou na temporada passada, abrigando os dois atacantes rubro-negros, era carta fora do baralho. 

Campinho Flamengo de Jorge Sampaoli

Sendo assim, o centroavante de Sampaoli estaria à frente de uma linha de 3 meias – Gerson/Victor Hugo, Arrascaeta e Ribeiro – e ao lado de 2 “asseguradores de amplitude” – Ayrton Lucas, Cebolinha ou, enfim, Bruno Henrique na esquerda, e Wesley ou Luiz Araújo na direita. Até pouco tempo, o Flamengo não contava com Bruno Henrique, portanto restava ao atacante o movimento de ruptura. O argentino insistia e segue insistindo em lançamentos a Wesley na profundidade, procurando explorar esse movimento nas costas da última linha também pelas pontas. Mas essa infiltração não provoca aos defensores o impacto de uma diagonal entre os zagueiros, e num contexto de 3 meias isso se torna indispensável. Gabriel se destaca exatamente por essa característica, enquanto Pedro é a parede que propicia o espaço à ruptura. Portanto, se joga Pedro, quem rompe? Hoje seria Bruno, e vimos isso na vitória contra o Aucas por 4×0 no Maracanã. Mas só. Não à toa Sampaoli tentou transformar Gerson em um “ruptor” no meio espaço, e usou Ayrton Lucas nessa zona visando justamente esse movimento. Ele entende isso como algo indispensável ao time e nega o uso de uma dupla de ataque. Ou seja, Pedro não serve na maioria das situações.

Bruno Henrique rompendo contra o Aucas
Bruno Henrique correndo nas costas da defesa contra o Aucas – Créditos: ESPN

Em resumo, Sampaoli nunca insinuou taticamente uma realidade em que Pedro seria, no mínimo, relevante para a equipe. E isso, somado a sua indiscutível dificuldade de gestão de pessoas, foi aprofundando o desgaste do camisa 9.

4)    O lobo e a raposa

“Houve, uma vez, um lôbo que tinha em sua companhia a raposa; e a coitada da raposa tinha de fazer tudo o que êle queria, pois era mais fraca; por isso, ficaria muito alegre se pudesse livrar-se de tal patrão.”

              A raposa, conhecida pela inteligência e agilidade, seguia as ordens do lobo e o entregava comida dentro do que suas características permitiam. A gula e o delírio de grandeza do chefe o levavam ao erro, que ele atribuía à má vontade da raposa. Quando ela trouxe uma ovelha pequena e ele foi buscar uma maior, foi pego pelos pastores. Em seguida, apanhou da senhora dos bolinhos pois não se contentou com os que a raposa levou a ele. Até que, por fim, resolveu ir junto da raposa atrás da carne salgada, e morreu ali mesmo nas mãos do fazendeiro.

“Então o camponês pegou um pau e bateu-lhe tanto que o matou. A raposa, porém, fugiu para a floresta, muito feliz por ter-se livrado finalmente daquele glutão.”

              Sampaoli não se contenta com o que o talento presente pode entregar, sempre pedindo “refuerzos” e entendendo que aquilo que tem não é compatível com suas ideias, sua fome. O argentino reconhece sua posição de mais forte, acima na hierarquia, e age impondo constantemente essa condição. Muitos veem isso com bons e maquiavélicos olhos, pois “coloca o jogador no seu lugar” e “tira o mimado da zona de conforto”. O jogador é a fera e Sampaoli o domador. Acreditam no temor e não no amor.

              Pedro, evidentemente, ficaria muito alegre se pudesse livrar-se de tal patrão. Foi o melhor jogador do continente há pouco mais de 6 meses e hoje não vê perspectiva de sair do banco. E não adianta falar que falta ímpeto, pois o individual não irá alterar o tático-ideal de Sampaoli. Existe uma ideia fixa e uma incompatibilidade com Pedro no contexto do elenco. É claro que a postura do camisa 9 na partida contra o Atlético foi incorreta. Mas suas ações são completamente compreensíveis, ainda que erradas. Um jogador desse porte não irá aceitar mais uma vez o banco, ainda mais depois de provar os voos que pode alçar. A indignação é cabível.

              Porém, como mais fraco, numa lógica hierárquica afirmada constantemente por seu superior e por alguns torcedores e jornalistas, a primeira reação à injustiça (na sua perspectiva) foi respondida com punição. Pablo Fernandez pegou a mão e bateu-lhe tanto que o problema foi parar na delegacia. Se já não havia harmonia, agora não há chance de Pedro compartilhar ambiente com Jorge Sampaoli, que ficará no Flamengo ao que tudo indica.

5)    O comando e o talento. Pedro fora.

Ao decidir pela permanência de Sampaoli, a diretoria assinala que prioriza o trabalho do argentino e caberá a Pedro se adequar. Parando para pensar, há lógica. Um jogador contra o líder, um impacto micro contra um impacto macro. A decisão mais fácil e razoável parece essa. “Fortalece a hierarquia”, demonstra “comando” e reforça a estrutura empregado-empregador, funcionário-chefe. Mas ela simboliza o caminho que o Flamengo vem trilhando desde a saída de Dorival. Para Marcos Braz e companhia, é preciso ordem, e o talento tão desejado, visto as contínuas contratações de peso no exterior, é indispensável desde que não precisem demonstrar que dependem dele. Querem enfatizar que há projeto além dos jogadores, quando na verdade os passos do clube deveriam ser pautados neles. 

Pedro está cada vez mais perto de destronar Gabigol

Eu já sabia exatamente a minha própria força/Da onde eu vinha, eu não sei, mas eu ouvi a voz/Que me dizia: Cala a boca, mas mantém a pose/Eu esperei por essa vida a minha vida toda/O que não liberta prende, nós precisamos ir/Operação Valquíria, eu quero ver Django Livre/Não quero ser de argila, não posso ser moldado/Estou constrangendo artistas, estou concentrando os fatos/Tudo na sua ferida, todos são tão salgados/Fui pelas avenidas, fui recortando os carros/Nada me cicatriza, nada mais me dá brisa/Assalto uma drogaria, quero ferir o Estado/Quem é meu roteirista? Você tá demitido!/Quero uma feminista, quem escreveu Donnie Darko?/Quem mora aqui do lado tá com o nome na lista/Você foi descuidado, você foi descoberto/Tá desclassificado, nós precisamos ir/Você tá preparado? Ri pra mim, sou dentista/Quero que se…

“To Cansado”, Froid

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