EU VOU TOMAR UM TACACÁ

Endrick comemora gol em Wembley
Créditos: Carl Recine / Reuters

Sim, marujos! Vou comemorar essa notícia boa. Eu vi foi fogo. É até de se falar de caminho para você sabe o quê. Onde quer que você queira chegar, há uma estrada a percorrer, de asfalto, barro batido, de pedra. De pedra principalmente: a pior de todas – enche o pé de calo, depois é uma lua de tanta bolha! Mas tem a parte divertida, que compensa a dor: ir chutando os pedregulhinhos no caminho. Você chuta a pedrinha lá na frente porque sabe que vai alcançá-la, e assim vai até o fim. Todo mundo tenta – mas só o Brasil é penta, claro! – e a ansiedade de chegar ao fim ninguém aguenta.

Não, não estamos prontos ainda, antes que você formule na mente a grã-questão. Você, leitor, na coluna deste cronista, encontra uma sensatez invejável a maior parte das vezes. Aqui o pé direito, que é o bom, está bem colocado no chão – o esquerdo, que era o bom em Diego Armando e tantos outros camisas dez, é o da imaginação. A pergunta: a Seleção está pronta para ganhar a Copa 2026?

Claro, o que é estar pronto? Gagarin, Armstrong estavam prontos para penetrar na Lua? Ir lá e fazer é estar pronto. No entanto, para trabalharmos um pouco mais nesta amável analogia: o astronauta treina biomecânica, movimento, faz um trabalho intenso de adequação física que vai do modelo de respiração à tal dieta espacial, faz de um tudo para estar o mais próximo possível da “prontidão” ao desafio.

Copa do Mundo de futebol é a mesma coisa. Claro que, para a Seleção Brasileira em si, não é nem um pouco exótica como é um astro desconhecido para os homens do traje de EVA. Mas, para nosso atual plantel, conquistá-la é uma grande missão espacial. Mesmo porque a maioria nem tem imagens mentais do penta – este da foto, nossa maior esperança, sequer viu o Roberto Carlos ajeitar o meião quatro anos depois. 

Para eles, tudo seria uma grande novidade, a chance de ser inédito na própria história – como foi Mbappé, seis meses mais novo do que a então única conquista francesa em 98, como foi Messi, um ano mais jovem que o bicampeonato argentino de 86.

Não tenho a menor dúvida que estes garotos estão sedentos por levantar a dourada das duas faixas verdes. Essa motivação pessoal, da qual falo, deve até mesmo superar a própria pressão natural para vencer o Mundial – que no Brasil é, inclusive, bem maior do que em qualquer outro país.

Wembley, um legítimo parquinho. Ótimo para o time dos meninos; eles gostam de brincar, mas quando põem fogo…! E o palco mais importante do football viu o primeiro dos muitos gols de Endrick com a Seleção. Primeiro de muitos, sim senhor, já dá para ver só pelo jeito que a bola se oferece a ele. Atacante bom tem magnetismo, a bola sempre vem com aquele açúcar. No Bernabéu, dias depois, aconteceu de novo. E já são dois numa lista que promete encher laudas e laudas.

As estrelas de Rodrygo e Vini Júnior, que até aqui reluzem muito mais no Madrid, têm tudo para começarem a brilhar mais forte na Seleção. Basta experimentarem o sabor do destemor. Se precisarem de ajuda, tem um professor de 17 anos, com experiência no quesito.

O meio e a defesa, irretocáveis contra os ingleses, deixaram um pouco a desejar contra os espanhóis. Descontando a circunstância do roubo em Madri, a estrutura de jogo ainda tem que solidificar. Mas o que anima é, pela primeira vez em algum tempo, perceber que essa solidez com o tempo irá chegar. Me animam também as peças: gostei muito de João Gomes, e me surpreendi com Andreas Pereira – que não me havia parecido, nem no ápice pelo Flamengo, este meiocampista completo que se viu em solo britânico. Bruno Guimarães que se cuide, já que aqueceu de vez a disputa pela vaga do motorzinho, peça tão importante num time ganhador. 

Na defesa, uma constatação esperada, com a joia Beraldo, e outra boa surpresa, com Fabrício Bruno. Além da precisão aérea, a agilidade do beque flamenguista mostra que este é justamente o atributo diferencial em tempos de confrontos com atacantes cada vez mais velozes. Já o ex-são-paulino mostrou que é cobra na saída de jogo, sem precarizar o combate físico. 

Estes dois, junto a Bremer, desafiam de vez a considerada dupla titular, Marquinhos e Éder Militão, na qual o segundo esteve cortado por lesão, o primeiro por opção. Ainda temos Murillo a testar.

No geral, vimos uma equipe com a bateria durando mais tempo, competitiva ao longo de todo o jogo. Aí o diferencial, que permitiu segurar a vitória na casa inglesa e buscar, bravamente, um bom empate na espanhola. Este é um dos segredos para ir longe – porque, como vocês sabem, a técnica sempre esteve conosco. Ah, outra coisa: o meio de campo começa a passar confiança. Graças a Deus!

Não tenho mais dúvidas: uma meiuca forte é outro segredo. Basta olhar as últimas edições. Espanha, Alemanha, França, Argentina, Croácia… todas as equipes finalistas tinham meios cerebrais e pulmonares, que temporizavam, controlavam, e, sem a bola, raramente cediam espaço para o adversário trocar. É o setor da equipe em que há a segurança – e não mais a defesa, como pensávamos até outro dia.

Inquestionavelmente fortes protegendo a área, as equipes comandadas por Tite muitas vezes cedem em outro fator defensivo: justamente a combatividade no meio. A persistente fragilidade com que se dão muitos combates pela região intermediária acaba por desestabilizar a estrutura de suas equipes em caso de transições rápidas ou contra-ataques do adversário – vale para o gol que o Flamengo sofreu na Colômbia, na última terça-feira, e vale para os contragolpes da Bélgica e da Croácia que nos tiraram dos últimos mundiais.

Mas não é um problema recente: em 2014, 2010 e mesmo 2006, fomos com um meio de campo considerado aquém da expectativa. O último que realmente estava digno das peças de qualidade, sobretudo do ataque, foi justamente o do penta. Após um início meio oscilante, tudo se ajeitou no mata-mata. Felipão, àquela altura, construiu um setor coeso, que defendia bem a partir da base e saía com uma precisão impressionante para a transição. Isso fica bem visível nas partidas finais, contra Inglaterra, Turquia e Alemanha.

Enfim, os fatores são vários. E se fosse para elencar todos, passando por todos os pontos, essa coluna terminaria nunca.

O fato é um: este ciclo poderá demonstrar que a sede para se preparar para um Mundial é tanto ou mais importante que a sede para vencer – que também deve ser a maior em 24 anos.

Sim, uma coisa é diferente da outra, não é? Vencer a Copa, ou participar da Missão Marte, são sonhos de criança – a sede por vencer é inerente a todo garoto que participa das rachas de rua. A sede por se sentir preparado para aquele momento é que é o ponto que realmente conecta o sonho à realidade.

O desafio desta vez é ainda maior: recolonizar o planeta onde vivemos.

Mas se eles se permitem preparar, quem somos nós para não nos permitirmos sonhar?

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