Inter de Milão, um negócio da China

My little China Girl

You shouldn’t mess with me

I’ll ruin everything you are

You know

I’ll give you television

I’ll give you eyes of blue

I’ll give you man who want to rule the world

Iggy Pop e David Bowie

O calcio tem as suas idiossincrasias. Uma delas é o costume que grandes empresários têm de comprar seus clubes do coração, muitas vezes tornando-se “homens fortes” do futebol da agremiação escolhida. O exemplo do momento é Aurelio De Laurentiis, bilionário do ramo do cinema que tirou o Napoli da terceira divisão para conquistar dois scudettos, à lá Diego Maradona. Até pouco tempo, o controverso Silvio Berlusconi comandava o Milan, a partir do qual se projetou para o cargo de primeiro-ministro da Itália. Foram 31 anos e 29 títulos conquistados à frente dos Rossoneri.

            Para o lado norte das arquibancadas de San Siro, essa figura foi, por muito tempo, Massimo Moratti. Filho de Angelo Moratti, lendário presidente bicampeão da Champions League nos anos 1960, Massimo assumiu a Internazionale em 1995. Em sua gestão, os Nerazzuri conquistaram 1 Copa da Uefa, 4 Coppas Italia, 4 Supercoppas e um pentacampeonato consecutivo da Seria A, com direito à tríplice coroa na temporada do último título italiano da sequência. A Inter de 2009-10 fez história ao vencer pela terceira vez a competição de clubes mais importante da Europa depois de eliminar o Barcelona de Pep Guardiola no auge, em pleno Camp Nou, com um menos.

            Todavia, reunir Júlio Cesar, Lucio, Maicon, Esteban Cambiasso, Javier Zanetti, Wesley Sneijder, Samuel Eto´o, Diego Milito e cia, sob a batuta de José Mourinho, custou caro. A equipe ficou sem dinheiro na hora de repor a saída de boa parte dos craques e do técnico. Depois da glória máxima, o endividado Moratti conseguiu conquistar apenas um mundial de clubes, contra o icônico Mazembe. Em 2013, viu-se obrigado a vender o clube do coração para o magnata Erick Thoir, cuja gestão ficou marcada pela arrumação financeira fora dos campos e desempenho medíocre dentro dele. Longe da disputa por títulos e da Champions League, o novo dono não demorou a repassar a Inter para o grupo Suning, um dos maiores conglomerados privados da China.

            Embora a aquisição tenha se concretizado em 2016, apenas em 2018 os novos donos sacaram Thoir da presidência, substituindo-o por Steven Zhang, filho do dono da Suning. De apenas 24 anos, a figura esguia e sorridente do jovem contrastava – e muito – com os velhos brancos e sisudos que costumeiramente presidem os clubes da Itália. Pouco a pouco, no entanto, o novo mandatário mostrou que não estava ali apenas por ser herdeiro.

            Já sob controle da Suning, a Inter contratara, um ano antes, Luciano Spalletti, com a missão de disputar novamente a Champions League depois de 5 temporadas de ausência. Como fizera na Udinese e na Roma, o atual treinador da Seleção Italiana cumpriu a tarefa e, com isso, permitiu a Zhang assumir a presidência respaldado pela volta da equipe ao horário nobre das noites europeias. Ao fim de sua primeira temporada à frente do clube, contudo, o novo mandatário resolveu demitir Spalletti, que não conseguiu ir além do quarto lugar nas duas Serie A em que treinou os Nerazzuri. Para o seu lugar, um nome de peso foi trazido: o ex-Juventus Antonio Conte. Mais ou menos no mesmo período, o dirigente Bepe Marotta, outro grande responsável pela hegemonia doméstica de uma década da Velha Senhora, também deixou Turim para trabalhar em Milão. Arrojado, o presidente recém-chegado dava demonstrações práticas de que almejava restaurar o protagonismo vivido pela Inter na era Moretti.

            Em sua primeira temporada no comando da equipe, Conte teve de se contentar com um elenco modesto. À exceção de Diego Godín, Romelu Lukaku e Alexis Sanchéz, o restante do plantel era formado por jovens jogadores vindos de equipes menores do calcio, além da promessa argentina Lautaro Martinez, vinda do Racing no ano anterior. O vitorioso técnico, todavia, não se acabrunhou e tratou logo de implantar seu clássico esquema com três zagueiros, mas com algumas diferenças, como a presença de apenas dois centroavantes na frente em vez de um trio formado por dois pontas e um homem de referência.

            Na defesa, o experiente goleiro Samir Handanovic, ex-Udinese, era acompanhado por Milan Skriniar, ex-Sampdoria, Stefan De Vrij, ex-Lazio e Godin. No decorrer da temporada, a promessa Alessandro Bastoni, das categorias  de base da Atalanta, ganhou a posição do uruguaio. Nas alas, houve grande rotatividade: na direita, os italianos Antonio Candreva e Danilo D´Ambrosio (que também atuava como zagueiro) disputavam posição com o austríaco Valentin Lazaro, egresso do futebol alemão. Na esquerda, Cristiano Biraghi, ex-Fiorentina, revezava-se com Matteo Politano e Kwadwo Asamoah, ex-Juventus. Por dentro, apenas Marcelo Brozovic foi o único titular de cabo a rabo. Ao seu lado, os lesionados Stefano Sensi, ex-Sassuolo, e Matías Vecino deram lugar a Nicollo Barella, ex-Cagliari, e Roberto Gagliardini, ex-Atalanta, enquanto o experiente Borja Valero servia de opção. No ataque, a dupla Lukaku e Lautaro mostrava-se, desde logo, imbatível, tendo Alexis Sánchez como boa alternativa no banco.

            Durante a janela de inverno, Politano e Lazaro foram emprestados, abrindo espaço para as chegadas de Ashley Young, ex-Manchester United, e Victor Moses, ex-Chelsea. Completava a trinca de reforços vindos da Premier League Christian Eriksen, em fim de contrato com o Tottenham.

            Com esse time, Conte alcançou as semifinais da Coppa Italia, terminou a Serie A em segundo lugar e foi vice-campeão da UEFA Europa League, depois de cair em terceiro lugar na fase de grupos da Champions. A despeito da falta de títulos, o estilo de jogo se consolidou: na saída de bola, os zagueiros pelos lados tinham liberdade de carregar a bola para quebrar a primeira linha da marcação adversária. Os alas eram os responsáveis pelas transições em velocidade e os meio-campistas tinham a incumbência de soltar a bola com agilidade para acionar os homens de frente. Peças-chave do esquema, Lautaro e Lukaku se movimentavam por toda a zona ofensiva, alternando-se nos papéis de homem de referência e segundo atacante, além de abrirem espaço para a infiltração dos meias e alas. Gagliardini, que em tese ocupava a função de primeiro volante, era quem mais vezes aparecia como esse elemento surpresa, de modo que não raras vezes Brozovic recuava para permitir seu avanço. Defensivamente, os dois alas formavam uma linha de 5 ao lado dos três zagueiros, enquanto a dupla de ataque fazia a pressão inicial e os três meias/volantes marcavam juntos, embora uns (como Eriksen e Borja Valero) fossem menos intensos na fase defensiva do que outros.

            Na temporada seguinte, a base titular foi mantida, com duas mudanças de muito impacto: Achraf Hakimi, rejeitado no Real Madrid, foi contratado para a ala direita, enquanto Ivan Perisic retornou de empréstimo e assumiu a titularidade na esquerda. Ashley Young também teve bastante minutagem jogando dos dois lados. Ademais, o elenco tornou-se mais robusto, com as chegadas do experiente Aleksandar Kolarov, Matteo Darmian e Arturo Vidal. Os dois primeiros, laterais de origem, eram aproveitados tanto como zagueiros quanto como alas, assim como o remanescente D´Ambrosio. Vidal, por sua vez, participava do rodízio no meio, disputando a terceira vaga com Eriksen e Gagliardini. A despeito da alta concorrência, os três foram muito utilizados, o que dá mostras de uma maior amplitude de opções à disposição de Conte para disputar títulos. Porém, as quedas na fase de grupos da UEFA Champions League (dessa vez em quarto, sem garantir vaga na Europa League) e nas semifinais da Coppa Italia se repetiram. O que mudou foi a colocação na Serie A: depois de 10 títulos consecutivos da Juventus, a Inter voltou a conquistar o Scudetto.

            Conte, ao fim da temporada, deu o seu chilique habitual e exigiu mais reforços. Entretanto, diante do prejuízo ocasionado pela pandemia, o presidente Steven Zhang não só não pôde atender aos pedidos do treinador, como também se viu obrigado a se desfazer de peças importantes: vendeu Lukaku para o Chelsea e Hakimi para o PSG. Contrariado, o vitorioso técnico pediu demissão. Sem dinheiro, a Inter precisava arranjar uma maneira de preencher as importantes lacunas deixadas por quem saiu sem gastar muito. Foi aí que Bepe Marotta, ao lado de outros diretores como Piero Ausilio e Javier Zanetti, brilharam: para a ala direita, trouxe Denzel Dumfries, do PSV, por apenas 12,5 milhões de euros; para o ataque, Edzin Dzeko veio sem custos, da Roma; e para a área técnica, trouxe Simone Inzaghi, ainda um novato à beira dos gramados, cuja única experiência profissional fora comandar a Lazio, clube onde fez história como jogador, nas cinco temporadas anteriores, depois de 6 anos à frente do sub-20 da equipe da capital.

            Inzaghi foi escolhido por trabalhar com um 3-5-2 parecido ao de Conte. Em uma equipe mais modesta se comparada aos três gigantes italianos, ganhou uma Copa e duas Supercopas, além de constantemente brigar por vaga nas competições europeias via Serie A. Ele não possuía o currículo do antecessor, tampouco o de nomes como Luciano Spalletti, Roberto Mancini e José Mourinho, que treinaram a Inter antes da chegada de Zhang. Tratava-se de uma aposta barata. E deu certo.

            A criatividade dos dirigentes para reduzir os custos e maximizar os ganhos foi fundamental para manter os Nerazurri competitivos. Para além de Dumfries e Dzeko, a principal contratação em 2020-21 certamente atende pelo nome de Hakan Çalhanoglu, o talentoso meia turco que atuava no Milan e virou a casaca sem custos, logo após o fim de seu contrato. Ele veio para substituir Eriksen, que sofreu uma parada cardíaca durante a Eurocopa e foi obrigado a deixar a Itália por conta da proibição local da prática desportiva a quem usa marcapasso.

             Sem rodar tanto o elenco quanto Conte, Inzaghi consolidou uma equipe titular com a mesma linha defensiva; no meio, Çalhanoglu passou a jogar ao lado de Brozovic e Barella, enquanto Perisic tornou-se absoluto pelo lado esquerdo e Dumfries supriu a ausência de Hakimi. Na frente, Dzeko passou a ser a dupla de Lautaro. O jovem Dimarco, depois de retornar de alguns empréstimos, começou a ser também utilizado na ala esquerda. No ataque, Joaquín Correa, vindo de empréstimo da Lazio, servia como mais uma opção além de Sánchez. Na janela de inverno, o bom Robin Gosens, ex-Atalanta, outrossim chegou por empréstimo para reforçar os lados. Ao fim da temporada, a equipe avançou apenas até as oitavas de final da Champions League e acabou perdendo o Scudetto para o Milan, mas conquistou a Coppa Italia e a Supercoppa como prêmios de consolação.

            Na temporada 2022-23, o clube continuou sem poder realizar grandes contratações. Os maiores investimentos foram nas compras em definitivo de Correa e Gosens. De resto, é preciso destacar outros dois grandes reforços em definitivo sem custos – Henrikh Mkhitaryan, ex-Roma, e André Onana, ex-Ajax – e os empréstimos de Lukaku, que retornou depois de decepcionar no Chelsea, Kristjan Asllani, ex-Empoli, e Francesco Acerbi, ex-Lazio. O time-base se manteve praticamente o mesmo: Lukaku não conseguiu reeditar a dupla Lu-La, pois Dzeko seguiu titular ao lado de Lautaro. No meio, Mkhitaryan participou ativamente da rotação, mas o trio Brozovic-Barella-Çalhanoglu foi preservado. As mudanças mais significativas foram na defesa, setor em que De Vrij e Skriniar – este em fim de contrato e já acertado com o PSG – perderam suas vagas para Acerbi e Darmian, respectivamente. Além disso, Onana ganhou a posição de um Handanovic já em declínio técnico e Dimarco ocupou a vaga deixada por Perisic, que foi para o Tottenham.

            A equipe novamente venceu a Coppa Italia e a Supercoppa, e dessa vez terminou a Serie A em terceiro. A grande surpresa foi a chegada à final da Champions League. Na fase de grupos, avançou em segundo, junto com o Bayern de Munique, desclassificando o Barcelona. No mata-mata, acabou tendo um caminho em tese mais tranquilo: eliminou Porto e Benfica nas oitavas e nas quartas, respectivamente. A facilidade, contudo, ficou apenas no papel, pois a dupla portuguesa vendeu caro as derrotas. Nas semifinais, um histórico Derby Della Madonnina contra o Milan, no qual a Inter venceu a ida e a volta, com mais tranquilidade do que nas fases anteriores. Na final, o Manchester City de Guardiola, em busca da tríplice coroa, chegava com absoluto favoritismo. Não fosse por um erro crasso de Lukaku, todavia, o jogo poderia ter ido para a prorrogação. A vitória suada dos ingleses por 1×0 deixou um recado claro àqueles que duvidavam do escrete comandado por Inzaghi.

            Na temporada passada, as perdas novamente foram repostas de maneira fantástica. Onana, vendido por 52,5 milhões de euros ao Manchester United, foi substituído por Yann Sommer, comprado por menos de 7 milhões de euros junto ao Bayern. No meio de campo, supriu-se a venda de Brozovic para o Al-Nassr com a chegada de Davide Frattesi, por empréstimo, do Sassuolo. No ataque, por fim, o veterano Dzeko deu lugar a Marcus Thuram, de 26 anos de idade, vindo ao fim do contrato com o Borussia Monchengladbach. Um dos raros prejuízos tomados pela Inter na gestão Zhang, a saída sem custos de Skriniar ensejou as chegadas de Benjamin Pavard e Yan Bisseck para a zaga. Juntos, eles custaram menos de 40 milhões de euros, valor considerado baixo para os padrões atuais de investimento no futebol de mais alto nível. Para a composição de elenco, ainda assinaram com a equipe nomes como Juan Cuadrado, ex-Juventus, Carlos Augusto, ex-Monza e Marko Arnautovic, ex-Bologna, todos a um custo baixo.

            Mesmo sem gastar muito, a Inter melhorou sensivelmente sua equipe titular. Mhikitaryan, mais técnico que Brozovic, assumiu a vaga no meio ao lado de Barella e Çalhanoglu. No ataque, Marcus Thuram, mais ágil e explosivo que Dzeko, relembrou o auge da parceria entre Lautaro, agora capitão, e Lukaku. Sommer, a despeito da idade avançada, tem sido absoluto no gol, e Pavard conquistou seu espaço ao longo da temporada, ainda que Darmian continue jogando tanto na zaga quanto na ala direita, no revezamento com Dumfries. O ótimo trabalho naturalmente é recompensado com troféus: Inzaghi enfim conquistou o Scudetto, além de mais uma Supercopa. São 6 conquistas em três temporadas, além da marca de 20 títulos de Serie A, que deu direito a mais uma estrela no escudo Nerazzuri (cada uma vale por dez).

            Da temporada passada para a atual, não houve mudanças significativas. Nenhuma peça essencial foi vendida e apenas jogadores que compunham o elenco deixaram a equipe ao fim de seus contratos. A estratégia de transferências também seguiu inalterada: Arnautovic, Carlos Augusto e Frattesi, trazidos primeiro por empréstimo de equipes italianas de menor expressão, foram adquiridos em definitivo. Juntaram-se a eles Piotr Zielinski e Mehdi Taremi, peças importantes de Napoli e Porto, respectivamente, contratadas sem custos. O maior investimento dessa vez foi no goleiro Josep Martínez, ex-Genoa, contratado para eventualmente substituir Sommer, diante de sua idade avançada.

            Inzaghi, a partir da continuidade que Conte não quis ter, parece ter encontrado uma fórmula ótima para comandar a Inter. Pinçando jogadores baratos no mercado, aos poucos o elenco se encorpa e aumenta a competividade interna. Na zaga, hoje apenas Bastoni é absoluto; as outras duas vagas são disputadas por Pavard, Bisseck, Acerbi, De Vrij e Darmian. Este último pode eventualmente substituir Dumfries, embora o neerlandês esteja cada vez melhor e mais participativo na fase ofensiva, além de ter o recém-chegado Nicola Zalewski como possível reserva imediato. Do lado oposto, Carlos Augusto é uma excelente sombra para Dimarco, além de também poder jogar na zaga. A proximidade entre alas e zagueiros permite que aqueles recomponham com muita naturalidade para formar a linha de 5, ao mesmo tempo em que esses são cada vez mais instados a carregar a bola pelo lado e a participar da fase ofensiva. É como se os alas fossem pontas/laterais e os defensores mais abertos fossem zagueiros/laterais. Assim, permite-se que o time muito facilmente consegue formar dobras de marcação sem a bola e atacar em dobro pelos flancos com a bola. No meio, Çalhanoglu, Barella e Mkhitaryan são titulares absolutos. Formam um trio curioso, de três meio-campistas de origem, que, no entanto, prescindem de um volante: conseguem atacar e defender bem ao mesmo tempo. Çalhanoglu tem aparecido bastante no ataque e feito gols importantes, mas em muitas vezes é ele quem recua para fazer a saída de bola, como se fosse um camisa 5, por conta de sua qualidade de passe. O que mais me impressiona, contudo, é Mhikitaryan, que ao longo de toda a carreira foi um meia-aberto, por vezes até um ponta, sempre muito insinuante, e que agora se habituou à função de um meia/volante que joga por dentro e marca e ataca ao mesmo tempo. Na reposição, Zielinski, Asllani e Frattesi são ótimas opções, que não deixam o nível cair abruptamente e rejuvenescem a equipe (no caso dos dois últimos). O ataque, ironicamente, parece ser o setor mais fraco – não por Lautaro e Thuram, que formam excelente dupla, embora o francês não consiga alcançar os mesmos números de Lukaku em seu auge, mas pela falta de opções à altura. Correa, desde que foi contratado, nunca conseguiu se destacar; Taremi, embora muito utilizado por conta do desgaste inerente à temporada, marcou apenas 3 gols, desempenho muito aquém de seu faro artilheiro no Porto; e Arnautovic, por sua vez, sempre foi um jogador mediano, que viveu a carreira toda de alguns lampejos de habilidade. À lá Cristiano Ronaldo, ele abandonou as pontas para jogar por dentro, posição na qual até conseguiu marcar um número de gols decente pelo Bologna. Ainda assim, a queda técnica em relação aos titulares é gritante.

            Fato é que a Inter continua extremamente competitiva. Pela primeira vez desde que chegou, Inzaghi não conquistou um título doméstico, mas tem a chance de não passar a temporada em branco no próximo sábado, quando enfrentará o PSG pela final da Champions League. As partidas épicas contra o Barcelona pelas semifinais animam os Nerazzuri, a despeito da decepção de perder o Scudetto dessa temporada por conta de um gol tomado no último minuto na penúltima rodada contra a Lazio. A única nota triste dessa segunda final europeia em três anos é a ausência do grande responsável por tudo isso: Steven Zhang.

            Na gíria popular, um “negócio da China” significa um ótimo negócio, uma oportunidade muito lucrativa, uma pechincha. A Inter, desde que esse jovem presidente chinês a assumiu em 2018, renasceu das cinzas a partir de inúmeros negócios da China. Dezenas de jogadores de excelente qualidade foram contratados por valores absurdamente baixos. O maior gasto do período, os 62,5 milhões de euros investidos em Lukaku, são praticamente a metade do que o Manchester City, adversário da final anterior, gastou com Jack Grealish, e 4 vezes menos que o montante empenhado pelo PSG para contar com Neymar. O mais impressionante de tudo é que Zhang, antes de assumir o comando de um dos maiores clubes da Itália e da Europa, nunca sequer havia visto um jogo de futebol, como ele admite em sua carta de despedida.

            Ironicamente, todas essas economias não impediram o calote do grupo Suning em um empréstimo feito para cobrir o rombo causado pela pandemia de covid-19. Posta como garantia, a Inter foi assumida pelo credor, o fundo de investimentos estadunidense Oak Tree. Bepe Marotta foi quem assumiu a presidência, nomeado pelos novos donos. Zhang, por sua vez, não teve muito o que fazer: depois do fracasso das contratações faraônicas no desenvolvimento do futebol chinês, Xi Jinping endureceu as regras para as empresas do país que investem no esporte, nacional ou internacionalmente.

            O grupo Suning já havia sofrido com isso anos atrás. Donos do Jiangsu Suning, time pelo qual atuaram ex-interistas como o atacante Eder e o zagueiro Miranda, eles tiveram de encerrar as atividades da equipe no ano seguinte à conquista do campeonato nacional, por ocasião de dificuldades financeiras. Logo em seguida, a holding se viu obrigada a tomar esse empréstimo para a Inter. Era questão de tempo até que eles vendessem o clube. Só não se esperava que fossem obrigados a abrir mão do clube por ocasião de um calote.

            Mesmo sem conhecer absolutamente nada de futebol, Zhang desenvolveu um trabalho seríssimo, que deve ser tomado de exemplo. Fez um clube gigante renascer das cinzas e recolocou um dos países mais tradicionais do esporte de volta no mapa da bola.  Eis a força da grana que ergue e destrói coisas belas: assim como o capital permitiu, ainda que por pura serendipidade, o desvelar dessa história quase inacreditável, ele a interrompeu célere e brutalmente.

            Se a Inter vencer esta final, espero que mandem uma medalha a Zhang, este China Boy, que assistiu a uma partida de futebol pela primeira vez aos 24 anos e, hoje, com 33, dá novamente aos Nerazzuri a possibilidade de comandar a Europa – e, por que não, o mundo. O supermundial é logo ali.

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