América MG 2 x 3 Atlético MG, primeiro jogo da final do Campeonato Mineiro
O América havia acabado de tirar uma vantagem de dois gols do Atlético, com o brilho de Benítez, autor dos dois tentos do empate. Naquele seu jeito curvado, compacto, e até esquisito, o argentino foi escondendo a bola dos alvinegros, parecendo abraçá-la com os pés, e obrigando o uso da força para pará-lo. E de longe, muito longe, o camisa 10 atirou a bola com potência e curva contraditórias para quem não queria soltá-la por nada. Chocou com zelo o ovo no ninho para depois permitir ao pássaro o voo. Já no segundo tempo, El Lobo recolocou de vez o Coelho no jogo, dessa vez empurrando-a com carinho no arco. Mas o grito de desafogo da torcida, revoltada com a chuva de cerveja que vinha da tribuna de cima, incompreensivelmente ocupada por atleticanos, de fato ecoaria por todos os cantos do Horto pouco tempo depois.
Foi irritantemente veloz a forma como os donos da casa arruinaram o prazer, ainda que momentaneamente. Logo na sequência do heroico empate, o juiz apontou à marca da cal da área americana. Marlon, como um conhecido uruguaio em 2010, usou o último recurso para evitar o gol rival e acabou expulso.
De imediato saiu da garganta de cada americano presente o clamor: “Ah, Cavichiolê! Ah, Cavichiolê!”. Invocavam o gigante de preto. Por trás do gol, quase que rente ao ofensivo vidro que materializa a tentativa de distanciamento do torcedor, eu via o goleiro ficar do tamanho das traves. Frente a frente com o craque alvinegro, Cavichioli transmitia invencibilidade. Toda a tensão batia no seu peitoral erguido e voltava duas vezes maior nas pernas do cobrador. Os poucos segundos duravam uma eternidade, e ele se tornava cada vez maior. Só faltava o árbitro apitar e autorizar a defesa.
O salto era a efusão do alívio, e o espalmar da bola a explosão a euforia. A dialética entre a rapidez do movimento e a duração da percepção transforma as ações em feitos e os momentos em memórias. Abraços ao amigo, aos estranhos que se tornaram amigos, dominados pela felicidade e agradecendo ao panteão da meta americana. Naquele momento, com ajuda dos cruzeirenses, se ouvia “Ah, Cavichiolê!” por toda Belo Horizonte.
Agora com um a menos, o herói foi requisitado mais do que nunca. O galo inevitavelmente chegava, e Cavichioli, seguro no que lhe tangia, contou com as traves no que não estava a seu alcance. Goleiro bom tem que ter sorte. Existe a sorte de goleiro bom. E ele tem de sobra. Porém, em se tratando de América Mineiro, nem a sorte do bom goleiro confronta o azar. No último lance da partida, Hulk, que havia sido vencido na penalidade, entrou sozinho na área e marcou o gol da vitória atleticana. O companheiro que foi comigo ao campo falou, “Deus odeia o América”. Talvez não odeie, mas com certeza dá mais atenção aos demais.
Sair do Independência frustrado é um erro, até porque é a reação mais comum na maioria das idas. Prefiro lembrar dos gols e observar o bairro. O Horto tem um ar de cidade pequena, tranquila, e guarda em si muito das partidas que recebe. Caminhando após o jogo, ainda era possível ouvir bem baixinho, agora em tom de lamento, aquele grito ecoando pelas ruelas e pelas paredes das casas. “Ah, Cavichiolê…Ah, Cavichiolê…”.