Forma quadrática, roupa social preta e branca, rosto grave e sério, olhos afundados: um caixão à beira do campo – cada jogo um velório. Um caixão vivo. Não de madeira, mas de carne e osso, e embora limitado pelos traços definidos da quadradação, pode abrigar todos os que, fora, vivem e dentro morrem. O técnico Tite do Flamengo tem deixado por onde passa um rastro de morte.
E não o faz de qualquer jeito, escancarado e esparramado, porque não pega de surpresa as vítimas; muito menos permite que a história se transforme em tragédia, porque seu método é mais sutil: Tite é um assassino silencioso e paciente; acaba com qualquer vitalidade à conta gotas. Você nem percebe. Sugador da vitalidade alheia, vai passando e chupando a vida sem dar nada em troca. Toda expressão de vida se apaga. Esse é, pois, o efeito do lúgubre técnico: que a morte materializada nele começa a crescer em seus entornos, matando os jogadores e depois os jogos, matando enfim a vontade de assistir e de torcer.
Na prática do futebol, a imagem acima aponta para uma realidade bem simples: com o técnico Tite, nenhum craque é tudo o que pode ser, nenhum jogador é tão bom e ninguém é o máximo de si mesmo ou sua melhor versão. Com ele ninguém é tão feliz jogando futebol. Talvez – você me dirá – os que estão na média se destacam, mas isso não acontece senão por um achatamento dos extremos, como se o extraordinário fosse empurrado para caber dentro dos mesmos limites do ordinário. O que acontece portanto é uma convergência à média, a insuportável média.
É difícil saber o porquê dessa doença. É difícil entender como que, aos pouquinhos, os que anteriormente brilhavam começam a perder o brilho; como que numa atitude submissa e humilde, como rês ao matadouro, vão sem dizer uma só palavra; como tornam-se também doentes e se recolhem ao decúbito dorsal. Se você conhece alguma pessoa brilhante e encantadora mas que perdeu o brilho depois que começou um relacionamento, não terá dificuldade de entender. A situação é parecida. Gabigol, por exemplo, está tão confortável no caixão que não pretende mais sair andando. Já passaram fenol e formol no defunto, colocaram algodão no nariz, e o cheiro dos crisântemos sobe da grama.
Especulemos. Entrevistas moralistas onde se destacam palavras como: “ética”, “trabalho”, “justiça”, dão o tom coach-pastoral ao homem. A estética segue o padrão. Bem pouco, é verdade, para explicar a questão, mas revela-nos quem sabe o que é prioridade e o que é tido por valioso. Ou melhor: o que não é valioso. Porque é mais fácil enxergar a situação da perspectiva da negação. O Tite se tornou aquele que nega; que nega o que é necessário à vida, ao futebol, ao jogador. Dele emana um sonoro e inconfundível “Não”.
Mais do que tudo isso, entretanto, nos espanta pensar como o técnico que colocou Romarinho para decidir uma final de Libertadores pode acabar desse jeito. Ele, que hoje é instrumento da morte e ativo no processo, teve que primeiro ser passivo; isso é: teve que morrer. Como isso aconteceu nunca saberemos. E tudo bem, o ser humano costuma morrer mesmo. Assim, o que temos é o Tite de hoje: a morte, a máscara, o fingimento, o comportamento programado, a preguiça, o Não. Eis o homem. No fim, penso que é verdade o que ouvi recentemente de um amigo: “O Tite é uma pessoa triste.”