Tentando compreender a “fuga” de talentos do futebol brasileiro para a Europa

gomes estevão endrick andrey
Texto adaptado da thread no perfil @gerafutebol no twitter

A tendência de abertura dos países ao capital global fez com que o futebol se tornasse um produto mundializado, bastante submetido ao setor privado com os patrocínios, as transmissões, e, por consequência, dependente dos investimentos desse setor. O futebol, como esporte mais popular do mundo e uma atividade de grande interesse de uma boa porcentagem dos bilhões de seres humanos vivos, se torna um agente importante da circulação de capital. A partir disso, a experiência que temos com o futebol é apropriada e reconfigurada pelo mercado para que, assim, a maior quantidade possível de capital possa ser extraída dessa atividade. Portanto, a mídia e as empresas enxergam no futebol um agente importante para a exposição de marca e para a obtenção de lucro massivo. A partir daí, influenciam no jogo jogado.

Podemos entender como “jogo jogado” o que envolve questões técnico-táticas do futebol. Mas como isso é afetado pelo que vem “de fora”? Enquanto um produto da indústria cultural, o futebol também é remodelado para o consumo em massa. Então o jogo em si acaba se tornando não só parte da lógica mercadológica, como sua força principal, pois é a partir dele que são produzidas as imagens que serão comercializadas, gerando também outros produtos advindos delas, que circulam pelo mundo, fazendo do futebol essa enorme fonte de lucro massivo que conhecemos.

Os 90 minutos encapsulam tudo isso: o jogo, os patrocínios, as transmissões, os agentes do capital especulativo com as apostas e “bolões”, etc. Essas dinâmicas não anulam as demais facetas do esporte, mas essa é a forma que o mercado enxerga o jogo. E é o mercado quem detém o controle. Dessa forma, a Europa, por sua localização historicamente privilegiada, se constituiu como a maior “vitrine” do futebol enquanto produto, que recebe altos valores de investimento do mercado e que é amplamente divulgado pelo mundo.

Os jogadores são o principal ativo da indústria do futebol porque são eles quem entram em campo e tornam possível que essa roda gigante continue girando através do jogo que jogam e das imagens que produzem enquanto jogam. Então, eles são ativos que vendem não só o seu trabalho, no caso, a sua força de trabalho nas competências físicas, como também sua imagem e o que vai ser gerado dela. O atleta é um jogador, mas também é uma fonte de inúmeras outras formas de lucro. Por exemplo, o clube Inter Miami foi convidado para o Mundial para que Messi se faça presente, já que a imagem do Messi atrai mais patrocínio e mais público para o torneio, portanto, mais dinheiro. Isto posto, é importante ter os melhores jogadores do mundo, sim, pela sua capacidade técnica, mas também pelo que ela automaticamente vai gerar.

Não tendo os meios necessários para se colocar dentre os países centrais, para se colocar no mercado central, o Brasil acabou se especializando como um exportador, sendo hoje o principal exportador do mundo e, com isso, sendo uma preocupação central das categorias de base. Quando perdemos jogadores como Vinícius, portanto, perdemos não somente um grande ativo técnico, mas um ativo que, se mantido aqui — e isso só seria possível não dependendo tanto das “commodities” e do capital estrangeiro —, inclusive no futebol, seria importante para a venda do futebol brasileiro enquanto jogo e enquanto espetáculo. O que a Europa ganha, além de um grande ativo técnico, é justamente um jogador capaz de tal mobilização midiática, que se converte em muito dinheiro. E assim o ciclo se mantém.

O jovem, vendo um grande ídolo nacional jogando lá, sonha em um dia estar nessa posição de sucesso ao mesmo tempo financeiro, esportivo e midiático, que só é possível hoje no futebol europeu. Para além disso, se ele, por acaso, vira um jogador de base, vai ser formado sabendo que a expectativa principal do clube é poder vendê-lo para o exterior, principalmente para a Europa, para assim obter um lucro hoje muitíssimo necessário para a manutenção dos clubes e do futebol brasileiro.

A partir disso, somadas a necessidade dos clubes, a tentadora possibilidade de sucesso na Europa (construída e idealizada por todo o dito) e o desejo de jovens que, desde cedo, são instruídos a ir, o Brasil se tornou um fornecedor de mão de obra na “escala de produção” do jogo.

Vi apontarem, por exemplo, a Espanha como o novo “país do futebol” após a crise de longa data que estamos vivendo. O que não apontam é que o Barcelona formou Lamine Yamal, tido como o principal craque da geração ascendente, para o Barcelona e para o futebol espanhol. Enquanto aqui, formamos Estevão e Endrick também para o mercado europeu. A grande vantagem, nesse aspecto, mora aí: eles tanto formam muitos atletas de nível quanto têm os meios necessários para adquirir jogadores de tal ou maior nível de outros continentes, monopolizando talento.

Aí somamos isso ao fato de que, durante muito tempo, o Brasil não gozou do privilégio de ter magnatas investidores e uma grande injeção de dinheiro do setor privado como acontece na Europa, além das gestões amadoras, corruptas e que se comportaram como parasitas. E você veja que temos um futebol bastante instável, extremamente dependente do dinheiro que vem de fora e, sobretudo, com as vendas, e que, pela má administração do dinheiro que entra (que comparado à Europa, já é menor), encontra bastante dificuldade em se fortalecer.

Por ter poucos ídolos locais jogando na seleção, existe, sim, um certo distanciamento entre ela e o país. Mas isso também é explicado pela forma como a CBF usa a seleção atualmente meramente como uma fonte de renda: ingressos absurdos, produtos caríssimos — para vender a imagem do que um dia a seleção brasileira foi, e que hoje, sem dúvida, não é mais. Uma era de grandes talentos que, porém, não só nos sentimos distantes deles, como fica evidente que são formados para que outros possam desfrutar dos mesmos e os idolatrarem.

É uma era de ídolos do futebol europeu na seleção. Ainda ganhamos Copa nessa era, sim, mas, conforme a coisa foi escalando ainda mais, foi inevitável o desequilíbrio entre o papel no mercado e a obrigação de construir um futebol brasileiro forte. O grande dilema talvez do futebol hoje seja que, portanto, o que enfraquece o futebol brasileiro e, paralelamente, nos transforma em um dos principais agentes do fortalecimento do futebol europeu são fatores que vão muito além de jovens saindo para “evoluir”, “sair da várzea”, etc. A coisa é mais embaixo.

Então, em resumo, é mais difícil para o Brasil que para os principais países europeus do futebol segurar e, posteriormente, potencializar em âmbito de seleção esses atletas. Hoje, tem mil e uma barreiras, que, por enquanto, não sabemos como quebrar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima