Thiago Maia é um dos problemas, Allan é a solução

Thiago Maia e Allan

É comum lermos em análises sobre volantes a seguinte frase de Juanma Lillo: “Me mostre teu primeiro volante e te direi qual equipe você tem”. Realmente, em equipes que praticam o jogo de posição, é primordial a presença de um cabeça de área que atenda às exigências dessa filosofia. Nessa temporada, Busquets, Rodri e Partey/Jorginho se destacaram em contextos do tipo. É um estilo que depende de um jogador com essas características, como um carro que precisa de uma peça específica para andar.

Há, porém, um outro caminho para se armar uma equipe. O treinador constrói seu sistema com aquilo que tem de melhor, costurando os fios das individualidades em tecido, em time. Se não conta com um primeiro volante que rege, mas que é tremendo em recuperações e em infiltrações, como Casemiro, designa a outro, apto, a responsabilidade de armar, como Kroos, e assim encontra o equilíbrio necessário.

Quando a função do Thiago Maia era basicamente correr para trás e cobrir todo mundo, dava bem para o gasto. Ele é dedicado e tem físico para desempenhar esse papel de forma eficiente. Ajudou bastante o Flamengo no ano passado tapando buraco. Foi ótimo. Mas Dorival quase que o limitava a isso, encarregando outros da saída. Eram os dois meio-campistas de lado do losango (João Gomes e Everton Ribeiro, principalmente), juntamente com os laterais (Filipe Luís e Rodinei), que faziam o time progredir. Nos melhores momentos da equipe, foram incontáveis as tabelas de Ribeiro e Rodinei rumo ao ataque. Maia só tinha a bola quando se abria espaço no meio para ele avançar.

Na final da Libertadores, essa situação se repetiu várias vezes, já que ele era o homem livre no sistema de encaixes do Scolari. Em vários momentos, ele teve liberdade para conduzir ou receber adiante por dentro por não ter marcação individual. Os “Vitors” Roque e Bueno só faziam uma “sombra” no volante quando o outro atacante saltava em um zagueiro. Felipão não pensou nisso à toa. Thiago Maia é limitado.

Thiago Maia na final da libertadores 1
Thiago Maia na final da libertadores 2
Thiago Maia na final da libertadores 3

E quando ele baixava em linha de 3, era mais pela possibilidade de David Luiz e Leo Pereira conduzirem, ou de Arrascaeta se aproximar por dentro, do que para tê-lo de frente para o jogo. Situação comum em cenários de pressão com 2 atacantes, como na final, com o recuo proporcionando superioridade numérica. Eram poucas as vezes, também, em que se lançava no ataque. Relembrando outra partida contra o Athletico Paranaense, a volta na Baixada pela Copa do Brasil 2022 foi um de seus jogos mais participativos quando o Flamengo cercava a área adversária. Talvez pelo mesmo motivo. Enfim, Maia sempre foi “minimamente acionado” em organização ofensiva. A ideia era não depender dele para o jogo fluir.

Thiago Maia na final da libertadores 4

Fazendo uma comparação rápida de passes progressivos: a primeira tabela é do Maia no Brasileirão 2022, a segunda é dele no Brasileirão 2023, e a terceira é do Pulgar, também deste ano. Mesmo numa temporada inegavelmente boa, os números eram medíocres porque ele não era o responsável por dar passes progressivos.

Relatório FBRef Thiago Maia 1
Relatório FBRef Thiago Maia 2
Relatório FBRef Erick Pulgar

E num início de temporada indiscutivelmente ruim, os números caíram, mesmo em muitos momentos ele sendo o 5 responsável por conectar o meio de campo. Aí olhamos para as estatísticas do Pulgar e levamos um susto, mesmo com números apenas bons e não anormais. Não é viável que o brasileiro substitua o chileno.

Uma prova disso, além de várias outras causas, é claro, foi a goleada do Red Bull Bragantino para cima do rubro-negro. O ponto fundamental do 4×0, consensualmente, foi a soberania dos donos da casa na pressão. O Flamengo não conseguia sair jogando. Naquela ocasião, o primeiro volante era Thiago Maia. E é aí que as coisas começam a desandar.

Mesmo com os 3 meias em campo, era Maia quem sempre recebia a primeira bola por dentro. Gerson se destacou com Jorge Jesus em 2019 sendo uma ponte ao campo de ataque, com giros fantásticos e conduções imparáveis. Além dele, Ribeiro fez talvez a melhor temporada no Flamengo com Dorival prestando um papel semelhante. Mas no 3151 de Sampaoli, os caras precisam estar no seu espaço. Para o pleno funcionamento do sistema, cada um tem que esperar e executar o que lhe é designado no lugar específico. A bola irá chegar até eles. O problema é que o sistema que levaria a bola até ali depende do jogador à frente da defesa, que ocupa aquele setor e desempenha aquela função. Independentemente de quem seja. E com o Flamengo sufocado pela incapacidade de progredir assim, os meias se desconectaram e a equipe perdeu os rumos do jogo por completo.

Thiago Maia contra o Bragantino 1
Thiago Maia contra o Bragantino 2

Semanas depois, na partida contra o Palmeiras no Allianz Parque, a estratégia do primeiro tempo claramente era não jogar por dentro. Sampaoli empilhou jogadores de força pelos lados: Cebolinha e Ayrton na esquerda, Luiz Araújo e Wesley na direita. Mas a inexistência de jogo interior passa por outras coisas também, e entre elas está Thiago Maia, mais uma vez, como o 5. Isso não pode acontecer.

Cito, agora, outros fatores (intimamente conectados) que também influenciaram na carência de jogadas por dentro:

  1. Victor Hugo e Gerson fixos na faixa horizontal entre as linhas, não dando apoio à saída. Em momentos de condução lateral, o garoto do Ninho, principalmente, ofereceu bastante opção para o passe fora-dentro. Mas apenas nesse tipo de situação vimos apoio dos meias.
  2. Pedro em má fase. Até penso que fez um jogo contra o Palestra bem melhor do que vinha fazendo, conseguindo reter mais a bola, mas o camisa 9 simplesmente não disputa mais com o zagueiro. Larga a jogada quando o pivô tem que ser físico. Isso prejudica o jogo interior, já que David Luiz vem tentando algumas vezes esse passe direto no atacante.
Thiago Maia contra o Palmeiras 1
Thiago Maia contra o Palmeiras 2
Thiago Maia contra o Palmeiras 3

Ou seja, há sobrecarga em um jogador que não pode, em hipótese alguma, ser o homem da saída. Erro sistêmico. O treinador precisa compreender as limitações e as valências de seus jogadores e adaptar o macro a isso. A imposição cega e inegociável do sistema prejudica o potencial do time.

Por fim, vimos na Arena da Baixada um rubro-negro, novamente, com dificuldades para progredir. Erick Pulgar se lesionou no aquecimento e Thiago Maia voltou a iniciar uma partida como 5. O Atlhetico precisava buscar o resultado e aplicou uma pressão forte desde o primeiro minuto, fazendo com que o Flamengo sofresse para trocar passes (só se via uma sequência de toques quando Arrascaeta se aproximava de algum outro meia). E uma peculiaridade dessa marcação alta escancarou, talvez, a principal dificuldade de Thiago nessa função: o giro.

Os donos da casa focavam nos zagueiros e nos laterais, com alas e atacantes encaixando num 532. Aguardavam o momento do salto e empurravam o Flamengo para trás. Enquanto isso, Thiago Maia era quem tinha a vida mais “fácil” entre os “primeiros homens”. Com bola em jogo, Fernandinho era o responsável por pressioná-lo. Ou seja, o primeiro volante do paranaense atravessava o campo para saltar e, assim, cedia mais tempo e espaço para o domínio. E mesmo nessas situações víamos o camisa 8 tocando para trás, tensionando mais o jogo, já que os atacantes corriam naquela direção, e gerando chutões de Matheus Cunha. O contexto pedia um giro, um domínio orientado, e Maia dava aquele passe chapado diagonal para um zagueiro pressionado ou recuava no goleiro. Só no segundo tempo, na jogada do gol anulado de Gabigol, que finalmente Thiago percebeu esse frequente espaço e executou um domínio girando para frente. A consequência? Um gatilho de saltos que permitiu Arrascaeta e Gabriel receberem nas condições ideais. E gol.

Em situações de tiro de meta, a marcação do Athletico mudava um pouco. Canobbio se tornava um atacante, Ze Ivaldo um lateral e Vitor Bueno era quem encaixava em Thiago Maia. Estruturalmente, virava 4312 contra 433. E mesmo com uma marcação individual mais próxima na teoria, nos raros tiros de meta curtos que o Flamengo cobrou, Bueno largava o encaixe para pressionar Matheus Cunha, deixando o volante rubro-negro livre. Houve numa situação desse tipo, inclusive, uma boa progressão com terceiro homem entre Cunha, Gabi e, por fim, Maia, parada com falta em Gerson no desenrolar do lance. Episódio único na partida.

Por sorte, o Flamengo sobreviveu ao bombardeiro do Furacão e conquistou dois gols nos momentos certos. A dificuldade de manter a posse que a dependência em Thiago Maia implicou não complicou a equipe no placar, e o rubro-negro carioca marchou rumo às semifinais da Copa do Brasil.

Mas, além da classificação, Jorge Sampaoli teve uma outro alívio fundamental para a sequência da temporada. Estreou Allan. Mesmo tendo atuado bem, a partida de ontem ainda não é objeto de análise. Focarei no que o canhoto é e no que ele provavelmente será.

Trata-se de uma solução direta para um problema. Allan está entre os principais camisas 5 brasileiros, acostumado com as ideias de Sampaoli e reposição exata para a “falha no sistema”. O camisa 21 anseia constantemente o passe progressivo, a conexão com os meias, e, diferentemente de Thiago Maia, se destaca na execução segura do domínio orientado. Não sente desconforto jogando de costas e bate pressão facilmente com seus giros. Outro fator importante é que está acostumado a baixar pela esquerda, movimento fundamental do esquema rubro-negro atual quando joga Maia ao lado de Pulgar. Ora baixa o chileno entre os zagueiros, ora o brasileiro liberando o lateral esquerdo. Allan fazia isso com Arana e voltará a fazer com Ayrton Lucas. A manutenção da qualidade, tanto de frente quanto de costas, seja com Allan, seja com Pulgar, dobra as possibilidades de saída de jogo no Flamengo e permite que os meias, então, esperem sem preocupação a chegada da bola.

Já que o treinador não adapta o sistema ao que tem a disposição, veio a peça ideal para a engrenagem funcionar. Havia uma questão e chegou a resolução perfeita. A perspectiva é de evolução meteórica no rendimento. Allan vestiu rubro-negro.

Créditos das imagens: Divulgação Flamengo e Mengão Play  

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