Um lateral subindo por vez, meias/atacantes que jogam por dentro e pelos dois lados, o desenvolvimento das funções ou dos papéis sociais (o 2º volante infiltrador, por ex.),tudo que reconhecemos por décadas como parte do jogo veio de Zagallo
![Zagallo instruindo jogadores da seleção](https://opontofuturo.com/wp-content/uploads/2024/01/zagallo-capa-hungaro.webp)
1. OS “CINCO CAMISAS 10”
No final da década de 60, o futebol brasileiro já havia incorporado plenamente as diagonais de Flávio Costa e a presença do falso-ponta. Todos os melhores times jogavam com um meia na ponta, criando um quarteto com os 2 volantes e o ponta-de-lança.
Mais do que isso. A ideia de que os melhores deveriam estar em campo e se aproximar era dominante, mas ainda faltava um sistema ofensivo mais coerente para esse intento. Usando coisas já testadas por ele no Botafogo, Zagallo deu o próximo passo na seleção de 70.
Naquela época, os times no Brasil jogavam com um “5”, um “meia-armador”, um “ponta-de-lança” e um “falso-ponta”. Gérson e Rivellino eram os “meias-armadores” dos seus times, e Pelé, Tostão e Jairzinho eram os “pontas-de-lança”.
Se Zagallo fosse respeitar a posição de cada um em seu clube, teria jogado apenas com Gerson e Pelé, e talvez com mais um ponta-de-lança de 9. Mas Zagallo queria os melhores juntos e criou um sistema para jogar com os 2 armadores e os 3 pontas-de-lança.
2. O ATAQUE FUNCIONAL
Não bastava colocar os cinco craques em campo. Riva preso na ponta-esquerda não teria sido Riva. Jairzinho preso na ponta-direita não teria feito tantos gols. Zagallo inseriu os 5 craques e desenvolveu as funções adequadas para cada um.
O time se organiza segundo o lado que a bola se encontra. Com a bola do lado direito, o LD ataca pela linha de fundo enquanto o LE fica em diagonal defensiva, o ponta-esquerda vem ao centro, e o time se aproxima todo do lado direito.
Com a bola do lado esquerdo, o LE ataca pela linha de fundo, o LD fica em diagonal defensiva, e o resto do time faz o balanço de lado:
O primeiro volante protegia a defesa, e o segundo volante infiltrava, passando a bola e indo adiante para receber. Na seleção de 70, Gerson e Clodoaldo se revezavam no papel de primeiro e segundo volante.
Riva é o meia que começa na ponta, tornando-se um 3º homem de meio e companheiro de Gerson (os 2 meias-armadores). Jair é um 2º atacante que começa na outra ponta, tornando-se companheiro no centro de ataque de Pelé e Tostão (os 3 pontas-de-lança). Zagallo unia os 5 perto da bola
O time mantém as diagonais ofensivas com cada jogador numa altura e avançando em campo a partir das escadinhas, que facilitam as tabelas em progressão:
Organizando-se pelo lado da bola, todos os jogadores ofensivos, os “cinco 10s”, poderiam se aproximar e dialogar. O resultado é o icônico gol de Carlos A. Torres com o time inteiro do lado esquerdo e com rápida inversão de lado. Gerson e Riva juntos. Tostão, Jair e Pelé também:
A seleção de 70 foi a melhor da história. Única seleção que terminou a sua edição em 1º lugar em posse, chutes ao gol e dribles por jogo. Só a seleção de 82 chutou mais ao gol que a de 70.
3. IDENTIDADE
Após o título de 70, o estilo da seleção brasileira tornou-se amplamente hegemônico no futebol brasileiro. Os técnicos poderiam ser mais ofensivos ou defensivos, gostar mais do passe curto ou longo, mas quase todos repetiam o ataque funcional de Zagallo.
Mesmo após a transformação do “4231” de 1970 em 4312 ou 4222, os princípios consagrados por Zagallo continuaram dominantes: um lateral passando por vez no corredor, meias e atacantes se aproximando nos 2 lados, organização pelo lado da bola, diagonais ofensivas e defensivas.
Seja o Flamengo de Zico ou o São Paulo de Telê, seja o Palmeiras de Luxemburgo ou o Grêmio de Felipão, essas características continuavam lá. Um lateral passando por vez, os jogadores ofensivos fazendo o balanço pela bola, as funções/papeis sociais, etc.
O Velho Lobo só foi um “pai fundador” porque era um apaixonado pelas marcas do Brasil impressas no jogo. Era um apaixonado pelas características ficcionais e literárias daquele Brasil que criou a sua própria linguagem para se expressar no futebol.
Zagallo consolidou o futebol brasileiro que a minha geração e tantas outras se acostumaram. Esse futebol entrou em crise e descrédito. Foi assassinado no futebol de base, e poucos técnicos o seguem ou tentam reinventar esses princípios no profissional.
Nesse momento de extrema infâmia de nossos dirigentes, cegos e insensíveis ao que transformou o futebol brasileiro num símbolo, está na hora de resgatar os ensinamentos do Velho Lobo. Como ele nos ensina: “que se modifique a maneira de jogar para se ter beleza nesse mundo”.
Texto retirado do Twitter @Jozsef_Bozsik
Pingback: Futebol brasileiro, Fernando Diniz e as falácias que os circulam - Ponto Futuro