Por que Ancelotti sempre tem razão?

Carlo Ancelotti
Ancelotti (Foto: Cordon Press)

Tradução do texto publicado na Jot Down Sport

Ancelotti é um senhor sem sorte. Não se cansa de ganhar a Champions, mas a crítica insiste em destacar seus supostos defeitos. Dizem que ele não entende de tática, quando cresceu sob as ordens de Sacchi, o taticista por excelência, e tem até manuais escritos sobre o assunto.

As críticas recentes vêm do próprio entorno. Agora, o que está em alta no madridismo é atacá-lo porque, segundo seus detratores, ele não acredita em jovens jogadores e, ao contrário, confia cegamente nos veteranos, que jogariam por decreto. Neste mês, Ancelotti declarou que esses ataques não o incomodam porque simplesmente não são verdadeiros. Vamos analisar.

De Kaká a Bellingham: uma carreira de apostas bem-sucedidas

Voltando a 2003, no Milan, vemos que Ancelotti reestruturou todo o sistema de jogo do então campeão europeu para incluir Kaká. Cairam a figura Rui Costa e o eficaz Ambrosini, ambos em plena maturidade. Assim relatou em Meu Árbol de Natal: “Ricardo produziu o efeito de um tornado que sacudiu e virou de cabeça para baixo o que, até então, havia sido o nosso sistema de jogo. De fato, ele se apoderou do meio-campo que, naquela época, já estava moldado a ele”.

O Milan de Kaká e do também jovem Pirlo conquistou outra Champions. E, mesmo antes de deixar o clube, Ancelotti ainda teve tempo de apostar tudo em um atacante de 18 anos chamado Pato.

Focando em sua etapa no Real Madrid, Ancelotti deu a titularidade a Isco e Carvajal em seu primeiro ciclo no clube, enquanto Vinícius e Rodrygo, ambos contratados para o time B, foram promovidos até se tornarem referências ofensivas no segundo, sem sequer completarem 21 anos. Sobre a situação, podem perguntar a Arbeloa, Hazard ou o próprio Nacho, três anos mais velho que Varane e superado por este como substituto do lesionado Pepe.

O último caso destacável é Bellingham, cuja idade é convenientemente esquecida pelos críticos ao focarem em Güler.

Ancelotti e o pensamento objetivista

Para entender como Ancelotti realmente opera, é necessário recorrer ao pensamento filosófico. Em A Revolta de Atlas, Ayn Rand, ideóloga do Objetivismo, escreveu: “Eu não estou neste negócio para dar oportunidades. Estou dirigindo uma ferrovia (…) Não me interessa ajudar ninguém. Quero ganhar dinheiro.”

Ancelotti é um declarado objetivista, e é assim que devemos entendê-lo. Exemplifiquemos com o que aconteceu com um grande jogador. Aquele Madrid que Ancelotti dirigiu entre 2013 e 2015 contratou o adolescente Ødegaard. Quando questionado sobre isso, o técnico respondeu que aceitava a decisão do clube, mas que ele não estava ali para desenvolver jogadores, e sim para ganhar títulos. O Objetivismo é produção, não empatia.

Real Madrid
Ancelotti (Foto: Cordon Press)

Como era de se esperar, Ødegaard não jogou. No entanto, mesmo que pareça, a decisão de Ancelotti não foi baseada na idade, mas sim no nível técnico. Passada uma década, as trajetórias de Isco, dos então também jovens Bale e James, Di María ou Modric comprovam que Ødegaard chegou ao Real Madrid em um mau momento. Simplesmente, os concorrentes do norueguês eram melhores do que ele. Para quem duvida de Isco, constantemente questionado, basta lembrar que o malaguenho foi titular em duas finais de Champions conquistadas, participando de quatro no total.

Em geral, uma análise da carreira de Ancelotti revela que ele raramente desperdiçou jovens talentos. Nenhum deles demonstrou, com o passar do tempo, que o técnico havia se equivocado. Aqueles que jogaram menos, como Morata ou Kimmich, enfrentaram concorrência intensa em elencos como os do Real Madrid ou Bayern, o que explica por que Ancelotti os utilizava em rotação ou durante os jogos. Já os que não jogaram nada não eram grandes jogadores, com as decisões do treinador mostrando acertos incontáveis nesse sentido. O objetivismo de Ancelotti se mede em resultados, não em suposições.

Velhas teorias, novos complexos

Mas o Real Madrid foi goleado recentemente pelo Barça na Supercopa e voltamos ao mesmo dilema. Culpa-se Ancelotti por escalar Tchouaméni como zagueiro em vez de dar espaço a Asencio. No último jogo disputado, pela Copa contra o Celta, o Bernabéu não deixou de vaiar ambos os jogadores.

Todos pedem Asencio e até Fortea, lateral-direito que nem joga no Castilla, mas supostamente é melhor que Lucas Vázquez. Nesse caso, o debate vai além da idade. Ambos são da base, e parece que está na moda a confiança do Barça na cantera. Por isso, embora saibamos que o orgulho ferido tende à irracionalidade, dizem que a Fábrica está à altura e que tanto Asensio quanto Fortea são soluções reais.

Ancelotti se defende diante da imprensa, afirmando que “Tchouaméni tem feito bem como zagueiro. É o que dizem os dados”. Dizem que, em vinte partidas do francês como zagueiro, o Madrid perdeu apenas uma. Enquanto Asencio foi titular em seis e o time perdeu duas. Então, “no momento em que não tivermos mais a emergência atrás, quando Alaba voltar, ele voltará à sua posição de volante”, continua.

Ancelotti
Ancelotti (Foto: Cordon Press)

Para o italiano, Alaba, pelo nível, é a solução, enquanto Tchouaméni e Asencio são praticamente a mesma emergência. Ele pensa isso, e a crítica pensa o contrário disso e de quase tudo.

Ancelotti conhece a verdade, não você

Não faz muito tempo, a propósito das lesões, Ancelotti precisou explicar que tem mais de trinta anos como treinador e que nenhum jornalista está em posição de lhe dizer o que é melhor para seus jogadores. Isso nos leva a outro diálogo objetivista:

– Bem, de quem você seguiu a opinião?
– Não peço opiniões.
– Então, com o que você se guia?
– Julgamento.
– Certo, e de quem foi o julgamento que você seguiu?
– O meu.
– Mas você consultou alguém sobre isso?
– Ninguém.
– Então, o que diabos você sabe sobre o Metal Rearden?
– Que é o melhor que já chegou ao mercado.

(…)

– Mas quem diz isso?
– Jim, estudei engenharia na universidade. Quando vejo as coisas, eu as vejo.

Nem é preciso dizer que, na referida obra, a empresa funciona graças às decisões de Dagny Taggart, a mulher racional que baseia seu julgamento em uma combinação de conhecimento e sensibilidade, ao contrário dos demais.

“Não há verdade que atenda à ‘fé, nem a caprichos, emoções ou decretos arbitrários'”, afirma Rand. No Objetivismo, existe uma realidade absoluta que a mente humana deve ser capaz de perceber. A realidade do futebol é o nível do jogador.

Talvez Ancelotti utilize Tchouaméni apenas porque custou milhões. Talvez Asencio seja melhor que Tchouaméni e, ao não utilizá-lo, Ancelotti queira aumentar suas chances de derrota. Talvez Asencio seja Piqué e não Fernando Sanz. Ou, pelo menos, talvez ele seja um Nacho e mereça mais minutos. Os opinantes podem ter alcançado a realidade, e Ancelotti estar errado. Faltava só essa, ele é apenas o técnico mais vitorioso da história graças à sua capacidade de detectar níveis e aproveitar talentos, não Deus.

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