
A anatomia da queda da Seleção Brasileira diante da Argentina, da vida, de si mesma. Quando foi que começamos a nos ajoelhar às derrotas?
Argentina 4 x 1 Brasil – Eliminatórias Copa 2026 – 25/03/2025
Não surpreende que a Argentina, atual bicampeã da América, campeã do Mundo e favorita ao lado da Espanha para o Mundial 2026 dominasse, em casa, a instável e sempre em crise Seleção Brasileira.
A facilidade com que jogou, sem Messi e sem receber um incômodo sequer de um ataque onde jogam o atual e possível próximo melhor do mundo, isso sim surpreende.
Não surpreende que Raphinha, que meteu marra para tentar agradar Romário e prometeu “gol e porrada”, tenha entregue o contrário. Com bola aos pés, atuação apagada; nas (óbvias) brigas, outro revés para os hermanos, que vinham muito mais pilhados.
Surpreende Marquinhos, o pomposo e etiquetado capitão da Seleção, ter a calma e grandiloquência de vir a público pedir paciência aos brasileiros, no lugar da vergonha na cara de assumir a incompetência de todos e pedir desculpas pela humilhação – o que também não adiantaria, mas seria dez centavos mais honroso.
Não surpreende que um Dorival aguardiolado (pra soar como abilolado), contrariando 90% da sua carreira em clubes brasileiros, tenha apostado em um estranhíssimo 4-2-4, passando a mensagem que “A Europa se faz em casa”, e encarregado covardemente uma rala dupla de volantes da tarefa utópica de equilibrar um meio de campo com Paredes, De Paul, McAllister, Enzo Fernández e Thiago Almada.
Surpreende que ele tenha chamado isso de processo e ainda enxergado a tal evolução, que nitidamente está suspensa desde o fim dos amistosos em Wembley e Madrid, há um ano.
Por fim, as situações degradantes, ainda que já corriqueiras, sempre serão surpreendentes pela história e tamanho da Canarinho, embora não dentro do enquadramento desastroso da CBF atual.
Esta administração trágica ter sido reeleita com apoio maciço, incluindo todos os clubes das séries A e B, isso sim surpreende, espanta, inquieta, para dizer o mínimo.
Não obstante o pesadelo atual, o futebol brasileiro vai a mais quatro anos de uma gestão que vive por si mesma, encastelada, intocada.
Significa mais 1460 dias de clubes silenciados em suas demandas por melhorias no planejamento, no calendário, na preparação, nas logísticas. Mais 48 meses prometendo que mês que vem haverá a reunião para cimentar o racha entre Libra e LFU – o que no fundo a confederação não deseja, já que o compartilhamento gera exposição do Brasileirão em mais canais, que leva a mais publicidade e mais renda aos cofres.
Em campo, placar de Argentina 4 x 1 Brasil. 4 porque os Hermanos quiseram parar por ali; 1 porque Matheus Cunha aproveitou uma eventualidade, a falha do defensor albiceleste Cristian Romero, e converteu a única chance brasileira.
Fora do campo, igual.
Alguns “Matheus Cunha” aleatórios, improvisados, fora de contexto, meros lampejos de competência que encortinam um trabalho flácido, raquítico, bagunçado, recheado de patacoadas, incoerências organizacionais e sujeira administrativa.
Dentro e fora de campo, não há nada que guarde similitude a um real processo de construção. O pouco que funciona parece sempre acaso, enquanto o que dá errado, sempre planejado.
A serviço da Seleção, Vini Júnior, Rodrygo, Marquinhos, Bruno Guimarães, Dorival, e companhia limitada, são picados pelo mosquito da letargia, do erro medroso, da angústia. O talento vira hesitação, enquanto a confiança se converte em pânico.
Isso não é normal: vem de um sistema que suga, que aniquila, que troca segurança por incerteza. Não é só corrupção ou rapinagem, mas um desnutrimento espiritual. A CBF não apenas administra mal, ela parasita a vivacidade, a alma de seus envolvidos.
Uma máquina que exige vitória, mas cultua a derrota. Que cobra rendimento, mas fomenta o fracasso. E é isso que nos espanta, o que sempre parece inédito, um estado crônico e irreversível.
Há tempos o futebol brasileiro não tropeça. Ele se ajoelha para simplesmente receber a derrota.
Para sair disso, é simples: uma reforma radical na cultura organizacional da confederação. O que inclui mais planejamentos verticais, mais estudos sérios e deliberações autônomas e competentes.
Quer dizer, se consegue ser absoluta em centralizar o poder, que o seja também em decisões nas quais de fato deve sê-la.
Bata os pés sobre a grama sintética ou natural. Sobre os limites entre a SAF e a administração social. Os casos de racismo, externos (Luighi) e internos (Léo). O calendário e o concílio entre clubes e datas-FIFA. Os formatos das competições.
E faça isso sem subserviência a interesses de quem não faz nem cócegas: federações estaduais, cartolas ladrões-de-galinha e empresários de fachada.
Com tanta discussão sobre identidade, o que falta ao futebol brasileiro está antes disso: autoestima.
Quer escolha resgatar a identidade antiga ou investir em uma nova, que antes crie um ambiente propício para um trabalho sério e confiante. Sem seriedade não há autoestima, e sem a qual, por sua vez, clareza no futuro é impossível.
Por enquanto, vestir amarelo seguirá um peso, não um privilégio.
Não um sonho, como tinham os jogadores na infância (e talvez sejam a última geração a tê-lo de verdade), mas um penoso sacrifício que atrapalha suas vidas nos clubes.
Acostumados ao castigo, seguirão de joelhos esperando o próximo golpe.
Nós também…